Diferencia entre revisiones de «GUERRA SANTA DO CONTESTADO»
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Conflito ocorrido no sul do [[BRASIL;_Afrodescendientes | Brasil]], mesclou questões sociais com religiosidade popular campesina, transformado-se em luta armada entre 1912 e 1916. O “Contestado” era uma zona litigiosa interestadual de 48.000 km², disputada por Santa Catarina e Paraná e ali, as mudanças eclesiais promovidas pelo clero ultramontano tiveram pouco influxo, pois para a população dispersa, “da mesma forma como não se conhecia o médico, não se conhecia o padre”.<ref>OSVALDO RODRIGUES CABRAL, ''João Maria'', Companhia Editora Nacional, [[SÃO_PAULO;_(São_Paulo)_–_Arquidiocese | São Paulo]] 1960, p. 96.</ref>Com isso, a religiosidade tradicional continuou intocada, autônoma, com suas práticas mágico-religiosas, ligadas ao tratamento de moléstias, e festas dos padroeiros locais. | Conflito ocorrido no sul do [[BRASIL;_Afrodescendientes | Brasil]], mesclou questões sociais com religiosidade popular campesina, transformado-se em luta armada entre 1912 e 1916. O “Contestado” era uma zona litigiosa interestadual de 48.000 km², disputada por Santa Catarina e Paraná e ali, as mudanças eclesiais promovidas pelo clero ultramontano tiveram pouco influxo, pois para a população dispersa, “da mesma forma como não se conhecia o médico, não se conhecia o padre”.<ref>OSVALDO RODRIGUES CABRAL, ''João Maria'', Companhia Editora Nacional, [[SÃO_PAULO;_(São_Paulo)_–_Arquidiocese | São Paulo]] 1960, p. 96.</ref>Com isso, a religiosidade tradicional continuou intocada, autônoma, com suas práticas mágico-religiosas, ligadas ao tratamento de moléstias, e festas dos padroeiros locais. | ||
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Conflito ocorrido no sul do Brasil, mesclou questões sociais com religiosidade popular campesina, transformado-se em luta armada entre 1912 e 1916. O “Contestado” era uma zona litigiosa interestadual de 48.000 km², disputada por Santa Catarina e Paraná e ali, as mudanças eclesiais promovidas pelo clero ultramontano tiveram pouco influxo, pois para a população dispersa, “da mesma forma como não se conhecia o médico, não se conhecia o padre”.[1]Com isso, a religiosidade tradicional continuou intocada, autônoma, com suas práticas mágico-religiosas, ligadas ao tratamento de moléstias, e festas dos padroeiros locais.
Apareceram pouco depois “monges”, mais exatamente, leigos rezadores que se declaravam tal (e em seguida as “virgens”), que se colocavam a serviço desta mesma religiosidade. Um “monge” como João Maria de Jesus (Anastás Marcaf, seu nome verdadeiro) distribuía orações aos devotos, receitava o chás miraculosos de ervas, benzia roças para espantar gafanhotos, santificava as fontes ao lado das quais plantava uma cruz de cedro, e batizava crianças.[2]
Nesse ínterim, em 1900, a Brazil Railway Company, pertencente ao grupo norte-americano dirigido por Percival Farquhar (1864 – 1953), recebeu do Governo federal uma faixa de 30 quilômetros de largura atravessando quatro estados, para construção da futura Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande. Em 1908 a Brazil Railway começou a se instalar na região expulsando os antigos moradores, cujas terras, mais tarde, a ferrovia vendeu a colonos poloneses e alemães. Farquhar criou ainda outra empresa, a Southern Brazil Lumber & Colonization, para a qual em 1911 obteve 180 mil hectares de terra no Contestado para explorar madeira e instalar serrarias. A sede da empresa foi instalada em Três Barras, SC, em 1913, e contra ela não se podia reclamar pois o próprio vice-governador do Paraná, Afonso Alves de Camargo (1873-1958), era seu advogado.
Foi o estopim da luta até porque, no ano precedente, 8.000 homens vindos de outras partes do país para ajudarem na construção da estrada de ferro, haviam sido demitidos quando a obra atingiu União da Vitória, sem que nenhuma providência fosse tomada para que pudessem regressar. Essa massa desorientada se juntou aos camponeses sem terra do Contestado, armando emboscadas nas estradas e se organizando em grupos de bandoleiros. Freqüentemente roubava-se gado. Foi aí que entrou em cena a figura catalisadora do “monge” – João Maria no início, e, após seu desaparecimento em 1911, o mameluco gaúcho Miguel Lucena de Boaventura, que adotou o nome de “José Maria” –, clamando pelo auxílio dos céus, a quem os desvalidos iam buscar, por meio das forças sobrenaturais e nas poções de curandeiras, a solução para os seus males.[3]
Enquanto os “monges” iam fazendo prosélitos, os frades franciscanos, estabelecidos em Lages desde 1892, logo estenderam sua ação a Curitibanos e progressivamente a todo o planalto. Em 1897, o frade alemão fr. Rogério Neuhauss (1863 – 1934), se encontrou com João Maria e, apesar das tentativas de entendimento, o diálogo fracassou.[4]
Em 1911, os caboclos decidiram estabelecer um território livre, ao qual chamaram de “Monarquia celeste”. Instituiu-se então um "Quadro Santo" em Curitibanos, SC e se criou uma guarda de honra inspirada na cavalaria medieval, formada por 24 cavaleiros, chamados de “Doze Pares de França”. Novos “quadros santos” foram instituidos noutros lugarejos e o movimento ganhou uma conotação messiânica. Fazendeiros da região alertaram as autoridades e, em outubro de 1912, uma tropa de 400 militares comandada pelo capitão João Gualberto (1874-1912) atacou o “quadro santo” de Irani. No confronto, José Maria e João Gualberto tombaram, enquanto os militares fugiram, permitindo aos rebeldes de se apoderarem de suas armas e munições. A esta altura, a “virgem” Maria da Rosa, de 15 anos de idade, tornou-se chefe militar, enquanto Joaquim, de 11, assumiu a liderança de 5 mil camponeses. Os rebeldes conseguiram dominar uma área de 25.000 km² e vencer várias expedições legalistas; mas, em 1914, o Presidente Hermes da Fonseca (1855-1923) decidiu de por um ponto final naquilo. Por isso, mandou para o front o general Fernando Setembrino de Carvalho (1861-1947), che lá chegou com 7.000 mil homens. O clero, entrementes, recomendava orações pelo fim das hostilidades, causando ressentimentos nos caboclos. Pouco antes de falecer, José Maria fez um desabafo magoado: “As autoridades não fazem nada e não querem que ninguém faça. [...] Os padres mandam obedecer porque são estrangeiros, puxam a brasa para o seu assado”.[5]
Um fato, porém, contribuía para afastar a hierarquia eclesiástica dos insurgidos: a prática dos sacramentos. Os habitantes do Contestado, além de batizados, também haviam improvisado uma espécie de casamento, o que não podia ser tolerado. Ainda assim, o Pe. José Lechner tentou uma saída negociada com eles, mas seus esforços resultaram infrutíferos. Frei Cândido Spanngel tomou outra atitude: acusou os “jagunços” de serem verdadeiros bandidos, efetivamente loucos, de loucura supersticiosa, para quem bons conselhos eram inúteis.[6]
A saber, entretanto, do aparato repressivo estava sendo colocado em campo, frei Rogério procurou os rebelados em Taquaraçu para alertá-los e pedir que se dispersassem; mas, acabou sendo expulso.[7]Assim, a partir de 8 de fevereiro de 1914, começou a última fase da luta. O General Setembrino cercou os “quadtos santos”, estrangulando os rebeldes pela fome. A “virgem” Maria Rosa tombou às margens do rio Caçador no dia 28 de março de 1915 e, um a um os núcleos rebeldes capitularam, até que o Capitão Euclides de Castro incendiou o último acampamento.[8]Caindo Santa Maria em mãos do capitão Tertuliano de Albuquerque Potyguara (1873-1957) aos 5 de abril de 1915, os legalistas assumiram de vez o controle da região. Deodato Manuel Ramos, vulgo "Adeodato", último dos chefes rebeldes foi preso em agosto de 1916, encerrando a luta. O trágico saldo de cinco anos de combate resultou espantoso: vinte mil homens mortos![9]
Do ponto de vista político, a contenda terminou aos 20 de outubro de 1916, quando os “presidentes’ estaduais, Filipe Schimidt (1859-1930), de Santa Catarina, e Afonso Alves de Camargo, que passara de vice a titular do Paraná, assinaram um acordo no Rio de Janeiro. A região foi dividida, ficando Santa Catarina com 25.510 km² e o Paraná com 20.310. Os caboclos remanescentes foram abandonados à sua própria sorte, mas, certas crendices de outrora sobreviveram. Em Curitibanos os devotos transformaram o 24 de junho no dia da “Festa dos Franças”, construindo uma capela de madeira para venerá-los. Nela se colocou uma imagem do Bom Jesus, de cujas mãos pendiam fitas postas em pagamento de promessas dos devotos. O clero, nada disposto a suportar aquilo, tanto fez que a capelinha acabou sendo abandonada.[10]
NOTAS
- ↑ OSVALDO RODRIGUES CABRAL, João Maria, Companhia Editora Nacional, São Paulo 1960, p. 96.
- ↑ DOUGLAS TEIXEIRA MONTEIRO, Os errantes do novo século, Livraria Duas Cidades, São Paulo 1974, pp. 83 – 84, 88.
- ↑ Cf. OSVALDO RODRIGUES CABRAL, João Maria, pp. 107 – 180.
- ↑ Cf. DOUGLAS TEIXEIRA MONTEIRO, Os errantes do novo século, pp. 86 – 90.
- ↑ ELIZABETH DE FIORI CROPANI ET ALII, Nosso.Século, vol. II, Abril Cultural, São Paulo 1980, p. 21.
- ↑ DOUGLAS TEIXEIRA MONTEIRO, Os errantes do novo século, p. 92
- ↑ DOUGLAS TEIXEIRA MONTEIRO, Os errantes do novo século, pp. 92 – 93.
- ↑ LINCOLN ABREU PENNA, Uma história da República, Nova Fronteira, Rio de Janeiro 1989, p. 114.
- ↑ ELIZABETH DE FIORI CROPANI ET ALII, Nosso Século, vol. II, p. 22.
- ↑ OSVALDO RODRIGUES CABRAL, João Maria, pp. 313 – 314.
DILERMANDO RAMOS VIEIRA