MAÇONARIA E IGREJA NO BRASIL

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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O termo “maçom”, também dito franco-maçom (em françês franc-maçon e em inglês freemason), corresponde a “pedreiro livre”. Como local de origem, a maçonaria moderna ou “especulativa” surgiu na Inglaterra, aos 24 de junho de 1717, quando quatro lojas – The Goose and Gridiron, The Crown, The Apple Tree e The Rummer and Grapes – decidirem de agrupar-se, propiciando a formação da Grande Loja de Londres (“Grande Loja Mãe do Mundo”).[1]

Do território inglês a maçonaria atingiu a Europa continental, abrindo sucursais também em Portugal, o mesmo fazendo depois em relação ao Brasil. No caso brasileiro, as idéias maçônicas chegaram cedo e desde o início contaram com a adesão de clérigos. Esta foi mais uma das conseqüências do regalismo “institucional” que favorecia a quebra da disciplina e a perda das referências doutrinárias. Em todo caso, o processo evolutivo do maçonismo no Brasil foi longo. A mais antiga associação do gênero no país foi o “Areópago de Itambé, PB”, fundado em 1796 por Manuel de Arruda Câmara (1752-1810), um carmelita descalço desertor. Já ali haviam padres, a exemplo de Antônio Félix Velho Cardoso, José Pereira Tinoco, Antônio de Albuquerque Montenegro e João Pessoa Ribeiro de Melo Montenegro.[2]

O status maçônico desse “Aerópago”, contudo, é contestado, pois, existem aqueles que sustentam que ele não teria sido uma verdadeira loja maçônica, até porque, nem todos os seus membros faziam parte da maçonaria.[3]Seja como for, acabou suprimido, a causa do envolvimento que teve com a independentista e republicana Conspiração dos Suassunas, abafada ainda no nascedouro, em 1801.[4]

Paralelamente, surgiram lojas maçônicas num sentido estrito. A mais antiga delas, de nome “Cavaleiros da luz”, tomou forma em 1797, a bordo da fragata francesa La Preneuse, comandada pelo capitão Antoine René Larcher (1740-1808), cuja sede seria transferida para Barra, município de Salvador. Pe. Francisco Agostinho Gomes (1769-1842) foi membro integrante do grupo inicial.[5]Outra versão sustenta que a primeira organização regular apareceu no Rio, em 1801, sob a presidência de Chevalier Laurent. Era a loja “União”, ligada ao Grand Orient d’Îlle de France.[6]A ela se filiariam maçons de outras procedências, incluso estrangeiros, e isso fez com que passasse a se chamar “Reunião”. Pouco depois, aos 5 de julho de 1802, foi fundada na Bahia a loja “Virtude e Razão”.[7]

Essa movimentação não passou despercebida ao Grande Oriente Lusitano que, em 1804, nomeou três delegados com poderes plenos para submeter a loja do Rio à jurisdição portuguesa e também para estabelecerem novas fundações no Brasil. A “Reunião” não se submeteu, mas um dos delegados portugueses, o “irmão” Francisco José de Araújo, conseguiu instituir as lojas regulares “Constância” e “Filantropia e Emancipação”.[8]

Outras lojas apareceram depois na Bahia, no Pernambuco e no Rio de Janeiro, livres, ou filiadas ao Grande Oriente Lusitano ou da França; mas, todas sofreram um duro golpe depois que, aos 21 de agosto de 1806, teve início o governo do novo (e último) vice-rei – Dom Marcos de Noronha e Brito (1771-1828), 8.º Conde dos Arcos –, que procedeu ao fechamento delas. A situação se tornou mais amena com a vinda da família real portuguesa em 1808 e, já um pouco antes, aos 30 de março de 1807, a supracitada loja baiana “Virtude e Razão” criara uma similar, a “Virtude e Razão restaurada” que, aos 10 de agosto de 1808 passou a chamar-se “Humanidade”. Sucessivamente, em 12 de setembro de 1813, a mesma “Virtude e Razão” instituiu mais uma loja, de nome “União”. Assim, a existência dessas três lojas – “Virtude e Razão”, “Humanidade” e “União” – teria possibilitado o estabelecimento do primeiro Grande Oriente do Brasil em 1813.[9]

Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773 –1845) é apontado como sendo o primeiro grão-mestre; mas, a fundação desse Grande Oriente é duvidosa. Discussões a parte, sabe-se que, em várias capitanias do nordeste a adesão de padres aos círculos maçônicos se tornara vistosa. O fenômeno ganhou força na diocese de Olinda, onde o próprio bispo diocesano, Dom José Joaquim da Cunha d’Azeredo Coutinho (1742 – 1821), era maçom.[10] Também o bispo do Rio de Janeiro, Dom frei José Caetano da Silva Coutinho (1767 – 1833) era ligado à maçonaria; mas, foi no nordeste brasileiro que os padres-maçons se tornaram particularmente numerosos. Essa mistura de maçonismo com liberalismo exaltado redundou na alta participação de eclesiásticos na Revolução de 1817 e na Confederação do Equador de 1824; entretanto, desde que a revolta de 1817 fora sufocada, o governo procurou se acautelar e, por meio do alvará de 30 de março de 1818, Dom João VI proibiu as sociedades secretas.[11]

A proibição foi breve: a família real portuguesa retornou à Metrópole em 1821 e, depois da independência do Brasil, a medida caiu aos 20 de outubro de 1823.[12]O que permaneceu foram as divisões internas dos maçons, que se alinharam em dois grupos opostos, encabeçados por José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838) e Joaquim Gonçalves Ledo (1781-1847). As duas facções conseguiram atrair Dom Pedro e filiá-lo, mas o jovem Príncipe acabou rompendo com ambas e, daquele período até 1831, a atuação da Maçonaria no Brasil ficou bastante atenuada, ou num período de “adormecimento”, como preferem dizer seus sequazes.[13]

Os eclesiásticos filiados, porém, não abandonaram as “grandes lojas” semi-adormecidas e, aqueles que eram políticos tiveram uma atuação nada positiva para a Igreja no Brasil. Durante os trabalhos da assembléia constituinte de 1823, por exemplo, Pe. Francisco Muniz Tavares (1793-1876), alegando que o Brasil “não tinha precisão de tantos clérigos”, apresentou um projeto (não aprovado) proibindo, por tempo indeterminado, o funcionamento dos noviciados.[14]Digno igualmente de nota foi o relato feito em 1826 por um sacerdote inglês cuja identidade ora se desconhece. Ele, diante do que presenciou, não hesitou em dizer que a maçonaria brasileira era “Deismo puro”. Para confirmar tal denúncia, citou exemplos concretos, como aquele de um vigário que, ao ser iniciado como maçom, quando lhe perguntarem qual era a sua religião respondeu “religião nenhuma”, tão grande era o medo que tinha de passar por “fanático”.[15]

A maçonaria da parte sua, retomava fôlego e, ainda em 1829, Gonçalves Ledo começou a reunir os “irmãos” numa loja de rito escocês chamada ”Educação e Moral”. A novidade alvissareira, entretanto, chegou em 1831, ao ser publicado o Código Criminal do Império do Brasil pois, se de um lado ele impôs limitações à Igreja, doutro, não só concedeu liberdade de movimento aos “pedreiros livres”, como, nos três artigos que lhes dizia respeito – 282, 283 e 284 –, deles exigiu apenas de observarem as regras comuns da ordem pública e os procedimentos normais das associações privadas.[16]

Apesar da conjuntura favorável, o renascimento maçônico não era isento de divergências intestinas, pois se organizaram dois “Grandes Orientes” que somente em 1861 se reuniriam; mas, uma nova cisão veio a acontecer em 1863, superada somente em 1872, quando se tratou de combater os bispos anti-maçônicos. Já antes, mais exatamente em 1862, vociferara a respeito Aureliano Cândido Tavares Bastos (1839-1875), maçom e liberal de oposição: “Levantemo-nos e apressemo-nos em combater o inimigo invisível que nos persegue nas trevas – Ele se chama espírito clerical. [...] A mais ligeira vantagem conseguida pelo espírito clerical deve ser combatida com energia. [...] O sacerdotalismo vai ganhando o terreno da sociedade. É preciso, pois, atender cuidadosamente para cada um dos atos de nosso governo em suas relações com a Igreja.[17]

Esta tese, eivada de oportunismo filo-regalista, seria depois repetida pelo grão-mestre do Grande Oriente da Rua dos Beneditinos, Joaquim Saldanha Marinho (1816-1895). Ele propôs categórico de “reduzir o poder de Roma à sua própria esfera (o grifo é nosso), e opor barreira inacessível aos desatinos do clero que pretende, solapando as verdadeiras crenças (idem), exigir em bases firmes o seu poder e a sua tirania. E exigir por meio legal do governo do Estado o respeito dos direitos nacionais contra as usurpações do Pontificado Romano, e para que não tenham no Brasil valor os decretos da Roma estrangeira, sem que o nosso poder legislativo os adote”.[18]

Também houve intelectuais “amigos” que apoiaram a causa maçônica, a exemplo de Joaquim Nabuco (1849-1910), que não hesitou em dizer que a maçonaria no Brasil era diferente das suas congêneres estrangeiras e que, portanto, excomungá-la era condenar “uma associação pia”.[19]A questão é que isso ia de encontro a testemunhos outros que afirmavam justamente o contrário. Os Anais da Câmara dos Deputados de 1873 contêm um pronunciamento – jamais desmentido –, do deputado Leandro Bezerra Monteiro (1826-1911), cujo conteúdo é esclarecedor. Disse Leandro Bezerra: “O nobre deputado [maçom Gaspar da Silveira Martins] quando eu quis fazer uma comparação entre a maçonaria brasileira e a maçonaria européia, foi o primeiro a dizer que não havia diferença entre uma e outra, porque a maçonaria era uma só família espalhada pelo mundo…”.[20]

Definiram-se assim as posições, fazendo as divergências aflorarem. Como explica Vilhena de Morais, até então a maçonaria no Brasil se sentira segura, “dirigindo as funções do culto, senhora das chaves do tabernáculo, dos vasos e paramentos sagrados, com padres e até vigários como caixeiros seus e sob as suas ordens”. Por isso, insiste ele, “não se pode realmente deixar de concordar que não tinha a seita entre nós intuitos agressivos. Contra quem? Contra si própria? Uma vez muro adentro e senhora da praça, tinha naturalmente de cessar o combate, limitando-se calmamente a governar a conquista”. O problema teria surgido apenas quando se tratou de desalojá-la.[21]

A conseqüência de tudo isso foi a eclosão da Questão Religiosa, na qual o Imperiador Dom Pedro II (1825-1891), por razões próprias, tomou partido contra os bispos. Segundo Dom Antônio de Macedo Costa (1830-1891), “com efeito, a Questão Religiosa no Brasil, pelo menos no que se refere ao governo, não era senão a questão do Placet. Não se tratava de algumas confrarias, nem mesmo da maçonaria. Os bispos haviam declarado efetivas e em pleno vigor as Bulas dos Papas, que atingem com excomunhão a Maçonaria, e eles agiram de acordo. Eis o crime que cometeram. O Imperador com essa atitude ficou muito magoado. Os Tribunais basearam-se nisso. Os Bispos não reconheciam as prerrogativas majestáticas e os direitos da Soberania nacional, desde que ousaram executar Bulas pontifícias que não haviam tido o Regium placet. No fundo, não era mais que isso”.[22]

Isto não exclui que a maçonaria tenha sido parte ativa no episódio, coisa reconhecida pelo prórpio Saldanha Marinho após a condenação do bispo de Olinda: “Dom Frei Vital de Oliveira foi pronunciado em crime inafiançável; foi preso e trazido para esta Corte. [...] Para esse triunfo a maçonaria concorreu eficazmente. [...] A maçonaria se regozija, sim, contemplando a severidade de um tribunal de justiça, que corajoso e digno, deu, nesta terra, execução ao princípio cardeal de ordem e de segurança pública”.[23]

A condenação, contudo, desgatou o prestígio monárquico e o Imperador acabou anistiando os bispos em 17 de setembro de 1875; mas, era tarde. Também por razões outras, a república veio a ser proclamada aos 15 de novembro de 1889. O Brasil se transformou num estado laico, não correspondente, porém, aos anseios de certos maçons, haja visto o desabafo de Saldanha Marinho: “Esta não é a república dos meus sonhos”.[24]

Por outro lado, a animosidade entre católicos e maçons mudou de tom sem se extinguir, até porque, em 1917, Papa Bento XV (1854-1922) publicou o Código de Direito Canônico punindo com excomunhão o fiel que se filiasse às lojas maçônicas (cf. cânon 2335). Depois do Concílio Vaticano II, o novo Código de Direito Canônico entrado em vigor em 1983, deixou de mencionar tal pena, mas, aos 26 de novembro de 1983, o então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger, precisou: “permanece imutável o parecer negativo da Igreja a respeito das associações maçônicas, pois os seus princípios foram sempre considerados inconciliáveis com a doutrina da Igreja e por isso permanece proibida a inscrição nelas”.[25]A pendência, portanto, não apenas no Brasil, mas em todo o planeta, persiste.

Notas

  1. GIANCARLO INFANTE, Gli ambigui padri della scienza, Editrice UNI Service, Trento 2009, p. 58.
  2. AMARO QUINTAS, A revolução de 1817, 2ª ed., José Olympio Editora, Rio de Janeiro 1985, p. 92; ULISSES DE CARVALHO SOARES BRANDÃO, A Confederação do Equador, Oficinas Gráficas da Repartição de Publicações Oficiais, Pernambuco 1924, p. 66.
  3. JOSÉ CASTELLANI – WILLIAM DE ALMEIDA CARVALHO, História do Grande Oriente do Brasil. A Maçonaria na história do Brasil, Madras Editora Ltda, São Paulo 2009, p. 31.
  4. ALCILEIDE CABRAL DO NASCIMENTO, A sorte dos enjeitados, Annablume Editora, São Paulo 2008, p. 150.
  5. JOSÉ CASTELLANI – WILLIAM DE ALMEIDA CARVALHO, História do Grande Oriente do Brasil. A Maçonaria na história do Brasil, p. 24
  6. ADRIANA LOPEZ - CARLOS GUILHERME MOTA, História do Brasil: uma interpretação, Editora SENAC, São Paulo 2008, p. 367.
  7. A.I., A Maçonaria no Estado de São Paulo. Em comemoração ao primeiro centenário da independência do Brasil, SNT, p. 19.
  8. ALEXANDRE MANSUR BARATA, Maçonaria, sociabilidade ilustrada e independência do Brasil, 1790-1822, Annablume, São Paulo 2006, p. 71-72.
  9. A.I., A Maçonaria no Estado de São Paulo. Em comemoração ao primeiro centenário da independência do Brasil, p.19.
  10. Cf. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados, sessão de 1873, tomo I, Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve, Rio de Janeiro 1873, p. 163.
  11. Coleção das Leis do Brasil, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro 1889, p. 15, 26-28.
  12. BRASIL BANDECCHI, A Bucha, a Maçonaria e o espírito liberal, Editora Parma, São Paulo 1982, p. 27.
  13. JOSÉ CASTELLANI – WILLIAM ALMEIDA DE CARVALHO História do Grande Oriente do Brasil. A Maçonaria no Brasil, p. 65.
  14. Anais do Parlamento brasileiro, – Assembléia Constituinte – 1823, tomo I, Tipografia do Imperial Instituto Artístico, Rio de Janeiro 1874, p. 109 – 110, 139.
  15. A.I., Exposição franca sobre a maçonaria por ex-maçom que abjurou à sociedade, Tipografia Imperial e Nacional, Rio de Janeiro 1826, p. 5 – 6, 14.
  16. Código Criminal do Império do Brasil, Tipografia Imperial e Constitucional de Émile-Plancher, Rio de Janeiro 1831, p. 35.
  17. AURELIANO CÂNDIDO TAVARES BASTOS, Cartas do Solitário, 2ͣ ed., Tipografia da Atualidade, Rio de Janeiro 1863, pp. 93 – 94.
  18. UBALDINO DO AMARAL FONTOURA, Saldanha Marinho – esboço biográfico, Dias da Silva Júnior Tipógrafo Editor, Rio de Janeiro 1878, p. 88, 150.
  19. JOAQUIM NABUCO, O Partido Ultramontano, suas incursões, seus órgãos e seu futuro, Tipografia da Reforma, Rio de Janeiro 1873, p. 57 – 59.
  20. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados, sessão de 1873, tomo I, Tipografia Imperial e Constitucional de de J. Villeneuve, Rio de Janeiro 1873, p. 156.
  21. EUGÊNIO VILHENA DE MORAIS, O Gabinete de Caxias e a anistia aos bispos na “questão religiosa”, F. Brugiet & Cia, Rio de Janeiro 1930, p. 31.
  22. ANTÔNIO DE MACEDO COSTA, “Memória sobre a situação presente da Igreja no Brasil”, em: Cadernos de história da Igreja no Brasil, n.º 1, Edições Loyola, São Paulo 1983, p. 43 - 44.
  23. JOAQUIM SALDANHA MARINHO, O julgamento do bispo de Olinda, vol. III, Tipografia do Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1874, p. 5, 10.
  24. ROBSON MENDONÇA PEREIRA, Washington Luís e a modernização de Batatais, Annablume, São Paulo 2005, p. 50.
  25. JOSEPH RATZINGER, “Declaratio de associationibus massonicis”, in: Acta Apostolicae Sedis (26-11-1983), vol. LXXVI, Typis Polyglottis Vaticanis, Roma 1984, p. 300.


DILERMANDO RAMOS VIEIRA