BRASIL; Pastorais coletivas na Primeira República

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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As pastorais coletivas foram documentos orientativos de uso comum para a Igreja brasileira, colegiamente elaborados pelos membros do episcopado durante o período da República Velha (1889-1930). O primeiro deles, aprovado em 1890, viria à luz após a queda de monarquia aos 15 de novembro de 1889, seguida da securalização do Estado por meio do decreto 119 A de 7 de janeiro do ano seguinte.[1]

A inciativa partiu do Internúncio, Monsenhor Francesco Spolverini, que escreveu a cada prelado diocesano do país, propondo uma reunião pastoral de todos eles para analisar a nova realidade sócio-eclesial. Apenas o bispo do Maranhão, Dom Antônio Cândido Alvarenga (1836-1903), declinou o convite, mas autorizou a inclusão do seu nome no documento final, pois, como dizia, não tinha “motivos para desconfiar dos sentimentos e doutrina dos meus irmãos no episcopado”.[2]

A reunião aconteceu no seminário episcopal de São Paulo aos 19-3-1890, e dela resultou um detalhado documento intitulado O Episcopado Brasileiro ao clero e aos fiéis da Igreja do Brasil. A tônica geral era de denúncia contra a impiedade moderna, a liberdade de cultos que igualava o Catolicismo a qualquer seita, e a secularização do Estado (argumentavam os bispos que “independência não queria dizer separação”). Não se cedia, porém, ao pessimismo, e o fim da Monarquia foi associado às suas próprias contradições, ao contrário da Igreja, cuja perenidade era louvada: “Desapareceu o trono... E o altar? O altar está em pé, todo embalsamado com o odor do Sacrifício, sustentando a Cruz, sustentando o Tabernáculo, onde está o Tesouro dos tesouros”.[3]

Ao discorrer sobre a laicização do Estado, procurarou-se demonstrar isenção, recordando que, se no decreto 119A certas cláusulas podiam levar a restrições odiosas, este assegurava à Igreja Católica no Brasil uma certa soma de liberdades que ela jamais lograra no tempo da Monarquia. Ou seja, visto e considerado tudo, o novo regime era tido como preferível ao precedente: “Uma proteção que nos abafava. Não eram só intrusões contínuas nos domínios da Igreja; era a frieza sistemática, para não dizer desprezo, respondendo quase sempre a urgentíssimas reclamações dela; era a prática de deixar as dioceses por largos anos viúvas de seus pastores, sem se atender ao clamor dos povos e à ruína das almas; era o apoio oficial dado a abusos que estabeleciam a abominação da desolação no lugar santo; era a opressão férrea a pesar sobre os institutos religiosos – florescência necessária da vida cristã – vedando-se o noviciado, obstando-se a reforma e espiando-se baixamente o momento em que expirasse o último frade para se por mão viva sobre este sagrado patrimônio chamado de mão morta”.[4]

O conjunto da Pastoral Coletiva de 1890 não deixava, contudo, de manifestar as contradições e incertezas do momento, pois, a certa altura, tendo o cuidado de não entrar em detalhes, repropunha a questão da união entre a Igreja o Estado, sob a alegação de que “Deus o quer!” Feita tal afirmação de princípio, os bispos preferiram adotar um tom conciliatório em relação ao novo regime: “Basta que o Estado fique na sua esfera. Nada tente contra a Religião. Não só é impossível, nesta hipótese, que haja conflitos; mas pelo contrário, a ação da Igreja será para o Estado a mais salutar; e os filhos dela, os melhores cidadãos, os mais dedicados à causa pública, os que derramarão mais de boa mente o seu sangue em prol da liberdade da pátria”.[5]

Realmente, a convivência com a república leiga foi bastante tranqüila no Brasil e, ao raiar do século XX, sobretudo a causa do crescimento rápido do número das dioceses, as conferências dos bispos acabaram se tornando regionais. Ainda em 1901 os do Norte se reuniriam na Bahia, e outra vez em 1908, no Recife. Em 1911 se encontrariam em Fortaleza, o que veio a se repetir novamente em Salvador/ BA, no ano de 1915.[6]O grupo do Sul também se reunira em São Paulo, no ano de 1901, e, em função do documento ali aprovado, se elaboraria um catecismo em português que se tornou obrigatório no ensino da religião nas igrejas e fora delas. Aquele seria o primeiro passo para a Pastoral Coletiva de 1902, que teve como redator Dom Silvério Gomes Pimenta.[7]Outras importantes reuniões realizadas pelos bispos meridionais foram as de Aparecida, em 1904; Mariana, em 1907; de novo em São Paulo, em 1910; e por fim, em Nova Friburgo, no ano de 1915.[8]

O mais importante desses documentos foi a pastoral de 1915. Abrangente, se subdividia em seis capítulos: profissão de fé, pregação, doutrina cristã, auxiliares do pároco no ensinamento da doutrina cristã, perigos contra a fé, principais erros modernos, conservação da fé, e escolas católicas. A apologética permeava todos os assuntos, e a figura do clérigo ganhou particular destaque, tocando a ele a regência das irmandades leigas.[9]

Dois anos depois da promulgação deste documento, surgiu o novo Código de Direito Canônico, e a referida Pastoral sofreu alterações para adequar-se aos seus ordenamentos. Com isso, ganhou uma forma ainda mais respeitável, o que lhe permitiu de ter notável influência ao longo de toda a primeira metade do século XX. Tanto é assim que, bem mais tarde, em 1941, as decisões que continha foram convertidas em decretos do Primeiro Concílio Plenário, vindo a se tronarem os princípios básicos da legislação eclesiástica do Brasil.[10]

No geral, é lícito dizer que as conferências episcopais resultaram utilíssimas para que os bispos se encontrassem, discutissem, buscassem soluções de contento, além de criarem as bases para uma futura instituição comum. No que diz respeito, entretanto, aos párocos e ao povo, o resultado ficou bem abaixo do esperado. Bons motivos havia: o documento de 1910, por exemplo, era um imenso volume de setecentas páginas, discorrendo sobre temas variados como teologia moral, direito canônico, e liturgia. A conclusão prática, e até mesmo a correspondência da Nunciatura Apostólica reconhecia isso, é que poucos se interessavam por obra tão prolixa.[11]

NOTAS

  1. DEODORO DA FONSECA ET ALII, Decretos do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, 1º fascículo, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro 1890, p. 10.
  2. ASV, Carta do bispo do Maranhão ao Internúncio (6-2-1890), em: Nunciatura Apostólica no Brasil, fasc. 330, caixa 68, doc. 7, fl. 18.
  3. LUIZ ANTÔNIO DOS SANTOS ET ALII, O Episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis da Igreja do Brasil, Tipografia Salesiana do Liceu do Sagrado Coração, São Paulo 1890, pp. 3 – 4.
  4. LUIZ ANTÔNIO DOS SANTOS ET ALII, O Episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis da Igreja do Brasil., p. 45.
  5. LUIZ ANTÔNIO DOS SANTOS ET ALII, O Episcopado brasileiro ao clero e aos fiéis da Igreja do Brasil, p. 82.
  6. AMÉRICO JACOBINA LACOMBE ET ALII, Brasil 1900 - 1910, Gráfica Olímpica Editora, Rio de Janeiro 1980, p. 58.
  7. ALÍPIO ORDIER OLIVEIRA, Traços biográficos de Dom Silvério Gomes Pimenta, Escolas Profissionais Salesianas, São Paulo 1940pp. 77 – 78.
  8. AMÉRICO JACOBINA LACOMBE ET ALII, Brasil 1900 - 1910, p. 58
  9. JOAQUIM ARCOVERDE DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI ET ALII, Pastoral Coletiva dos Srs. Arcebispos e Bispos das províncias eclesiásticas de São Sebastião do Rio de Janeiro, Mariana, São Paulo, Cuiabá e Porto Alegre, pp. 10 – 11, 39 – 40, 365 – 380
  10. MANUEL BARBOSA, A Igreja no Brasil, p. 158.
  11. ASV, “Conferências episcopais”, em: Nunciatura Apostólica no Brasil, fasc. 694, caixa 138, fl. 141b – 142.

DILERMANDO RAMOS VIEIRA