Diferencia entre revisiones de «BRASIL; ressonâncias históricas e desafios atuais»

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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Revisión del 18:46 16 oct 2016

Introdução

No presente trabalho apresento algumas questões do negro no Brasil e a Igreja Católica. São alguns pontos recolhidos que servem para abrir reflexões mais profundas desta relação. À Igreja, a questão do negro sempre foi uma cara, mas ao mesmo a sua ação em favor dos negros fora dúbia, ou seja, não claramente contra.

Contudo, foi junto à Igreja que o tema dos negros mais encontrou espaço para discussões, reflexões e ações. A Igreja acusada de omissa, passiva ou instrumento de justificação ideológica da escravidão negra, foi também responsável por promover e atuar em favor dos negros frente ao estabelecido social.

Posições Historiográficas

A história que relaciona os negros e a Igreja no Brasil assume aspectos muito opostos e marcados pela paixão. Sem dúvida, o tema dos negros suscitou grandes interrogações na história do Brasil, desde o tráfico de negros para trabalhar como mão-de-obra escrava nos canaviais, engenhos e, posteriormente, nas lavras de ouro e diamante.

Naquele período histórico, o tema da escravidão oscilava numa relação moral e econômica e, parece-nos, que está última foi determinante, inclusive, para definir a posição da Igreja. Os eclesiásticos no Brasil defenderam os índios e foram coniventes ou mesmo omissos em relação à questão da escravidão dos negros.

Essa situação explica os caminhos da historiografia sobre os negros no Brasil e o papel da Igreja. Podemos várias linhas de estudo e argumentação. São grupos que se contrapõem e se subdividem.

O grupo dos críticos laicos que salientam os aspectos negativos da Igreja e sua omissão “gritante”. Nalguns casos até mesmo o usufruto tácito. A pergunta é anacrônica: como a Igreja se omitiu diante de fatos tão grosseiros? A pergunta é anacrônica, mas o fundamento da fé cristã se pensa linearmente o pensamento e fundamento da fé católica: Cristo misericordioso amou a todos, tentou superar injustiças e a igreja se omitiu diante de um crime contra a humanidade.

Críticos eclesiais: neste caso, ainda podemos subdividir, pois temos os apologéticos que tentam indicar as ações eclesiais “singulares, restritas, ou acidentais” em favor dos negros e quer potenciálos. No entanto, este apologismo é assumido por poucos, nalguns casos com fatos risíveis.

De outro lado, ainda dentro da igreja encontramos críticos que a acusam. Estes críticos são moderados, ao recordarem o regime de «padroado» e a força econômica determinante que impediam a igreja de desenvolver o seu trabalho; mas também os imoderados que relêem a história e salientam o papel da igreja como instrumento do processo colonizador português.

Afirmam que a presença cultural européia destruiu a cultura dos indígenas e sufocou os ritos africanos. Ou seja, estes imoderados vêem na Igreja somente como um instrumento destruidor de cultura e pouco aberta à adaptação.

Não 13 de maio, mas 22 de novembro

A 13 de maio de 1888, a princesa Isabel aboliu a escravatura. No entanto, esta situação se tornou um problema social, pois os negros perderam a segurança dos seus senhores, mas ao mesmo tempo não receberam seguridade do estado. O 13 de maio é compreendido como um fato determinado, não seria possível fazer diferente.

O número de escravos ultrapassavam o número de brancos em algumas localidades, a pressão européia sobre o Brasil e o enfraquecimento do poder monárquico. Enfim, a abolição já era um fato consumado e a assinatura foi somente um cumprir legal de um processo social já em andamento.

Assim, durante muitos anos o dia da Abolição da Escravatura teve um relevo no Brasil. No entanto, com o crescimento de leituras historiográficas diversas e da consciência de grupos e associações negras, o dia 13 de maio passou a ser criticado. No seu lugar, começou a se celebrar o dia 22 de novembro lembrando Zumbi dos Palmares. Palmares, entre tantas, era um refúgio de negros que haviam escapado do poder de seus senhores.

Organizaram-se “numa grande nação”. Quinze anos após Zumbi ter assumido a liderança, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho foi chamado para organizar a invasão do quilombo. Em 6 de fevereiro de 1694 a capital de Palmares foi destruída e Zumbi ferido. Apesar de ter sobrevivido, foi traído por Antonio Soares, e surpreendido pelo capitão Furtado de Mendonça em seu reduto (talvez a Serra Dois Irmãos). Apunhalado, resiste, mas é morto com 20 guerreiros quase dois anos após a batalha, em 20 de novembro de 1695.

Teve a cabeça cortada, salgada e levada ao governador Melo e Castro. Em Recife, a cabeça foi exposta em praça pública, visando desmentir a crença da população sobre a lenda da imortalidade de Zumbi. Zumbi é hoje, para determinados segmentos da população brasileira, um símbolo de resistência. Em 1995, a data de sua morte foi adotada como o dia da Consciência Negra. É também um dos nomes mais importantes da Capoeira.

Campanha da Fraternidade 1988

Em 1988, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) propôs na Campanha da Fraternidade como tema para oração, reflexão e ação, os negros. Exatos 100 anos da Abolição da Escravatura pela Princesa Isabel. O objetivo era repropor o tema, rediscutir modos contemporáneos de discriminação racial.

O documento se divide no método “ver, julgar e agir”. Ver a realidade, julgar à luz da fé e de elementos sócio-culturais e agir eclesiologicamente e sociologicamente. O documento na sua análise da situação, ou seja, o “ver”, recorda a situação do negro no Brasil, os seus valores e participação na formação da cultura brasileira, toca nas feridas abertas pelos anos de escravidão e a posterior situação de sofrimento e abandono.

Já no julgar, o texto analisa a partir do problema da escravidão na palavra de Deus. Indicará as situações de escravidão do povo de Deus no Antigo Testamento e ação histórico-salvífica. Seguindo pelo Novo Testamento, colocará à luz a ação de Jesus em favor dos pobres e oprimidos e, portanto, dos mais esquecidos e marginalizados. Colocando estes aspectos bíblicos como pontos delimitadores, o documento questionará a postura da Igreja diante do problema no passado e contemporaneamente.

Há um trecho dedicado da relação da Igreja com o tema da escravidão (p.77). O documento lembrará as cartas de Paulo III (1537), Gregório XVI (1839) condenando a escravidão; do papa Leão XIII, que escreveu ao Brasil no dia 05 de maio de 1888, ou seja, 08 dias antes da abolição, sobre o problema da escravidão. Posteriormente, o documento tratará de outros documentos pontifícios sobre os Direitos Humanos: Rerum Novarum de Leão XIII, o Concílio Vaticano II, as Assembléias latino-americanas de Puebla e Medelín.

Por fim, o julgar parte de posturas ideológicas e curativas: - converter a mentalidade escravista: combater a discriminação, superar 400 anos de normal discriminação racial e abrir a uma postura respeitosa; - valorizar a dimensão libertadora da palavra de Deus; - manter a opção pelos pobres como ponto necessário à vida eclesial; - assumir a ótica do pobre: a proposta de avaliar teologicamente e eclesialmente a partir dos pobres e simples.

As sugestões práticas indicadas foram: pedir perdão; superar os sinais de racismo na igreja, promover e apoiar os grupos negros, liberar agentes de pastoral negros (manter funcionários para este fim), fomentar e ampliar a liturgia, cultura e a causa negra; manter o diálogo religioso.

Um fato curioso, senão triste naquela época, pois a questão racial foi motivo de certo mal-estar entre alguns integrantes da hierarquia religiosa no Brasil. O tema proposto provocou controversia na época. Na Arquidiocese do Rio de Janeiro, por exemplo, o então cardeal-arcebispo, dom Eugenio Sales, proibiu o texto-base da CNBB e adotou um texto próprio com outro lema, "Defenda as Cores". Na época, o cardeal disse considerar o texto da CNBB fora de propósito, por supostamente privilegiar ideologias em detrimento da mensagem cristã.

O Negro Brasileiro.[1]

Analisar o fenômeno dos negros como um aspecto cultural é uma das tendências aplicadas pela história e sociologia brasileira. Muitos pesquisadores analisam os fenômenos dos negros, suas religiões e hábitos como manifestações a serem preservadas.

Alguns não percebem como “uma religião” que exige uma adesão, mas apenas como aspecto acidental e marginal da sociedade. Em muitos casos estes grupos e pessoas são marginalizados. Arthur Ramos analisa as religiões afro – brasileiras dentro deste contexto social e cultural.

Num segundo momento, apresentará uma “exegética psicanalítica” destas religiões. Quais são as patologias escondidas, quais são as fixações presentes. Sem dúvida, há um risco de marginalização. Neste aspecto, desponta uma grande dificuldade da Igreja ao considerar as religiões afro-brasileiras.

Vejamos:

  1. São autônomas?
  2. São derivadas e dependentes: sincréticas, portanto?

Postas estas questões, como a Igreja deve relacionar com estes grupos ou fenômenos?

Se são autônomas, a Igreja pode estabelecer um diálogo inter-religioso e não se obriga a confirmar nenhum tipo de manifestação da parte destes grupos. Por outro lado, se são sincréticas quais poderiam ser as ações da Igreja para “corrigir” aspectos não condizentes com a fé católica?

De fato, alguns grupos afros se colocam fora da Igreja: gêge-nagô, malê, os bantu, os chamados orixás (substituem santos por orixás), candomblé. Contudo, outros grupos estão no limite do sincretismo: congado.

Na vida pastoral, há uma exigência dos grupos negros de uma adaptação litúrgica, pela qual elementos culturais e religiosos dos negros se fizessem presentes. Sem dúvida, aqui se establece um ponto de intenso conflito e desentendimentos, pois não há uma aceitação tácita e tranqüila.

Por outro lado, onde se aceitam as manifestações, nota-se uma visão “cultural”, ou seja, algo diferente e não uma inserção verdadeira na vida litúrgica. O contencioso continua e gera conflitos.

A questão do apadrinhamento

O artigo “Purgando o pecado original: compadrio e batismo de escravos na Bahia no século XVIII”, de Stephen Gudeman e Stuart Shmartz, discute sobre uma questão a princípio irrelevante, mas que indicam profundas raízes antropológicas. O termo padrinho e madrinha tem suas origens na vida cristã e seu papel é assumir os cuidados da fé de uma determinada pessoa.

O padrinho se coloca entre o privado e o público. Privado porque participa da vida familiar, condivide cuidados de ordem material e afetivo e, nalguns casos, estabelece uma autoridade moral. Já no seu aspecto público, o padrinho será o responsável formal em contribuir para devida inserção eclesial e amadurecimento da fé. O Padrinho, em nome da Igreja, garante a eclesialidade.

No entanto, isto se estabelece na idealidade e muitas vezes o “apadrinhamento” se resumia numa relação afetiva e moral do âmbito eclesiástico. A escolha dos padrinhos era determinada por questões não de fé, mas somente social: um padrinho socialmente influente, bem posicionado e, por isso, poderia garantir ao afilhado oportunidades ou proteções futuras.

Neste aspecto, um elemento eclesial o batismo se torna um elemento social. Em muitos casos, os aspectos religiosos são totalmente abandonados e os sociais são os únicos que interessam.

Dentro deste contexto, o apadrinhamento de negros assumiu esta via. Os negros procuravam escolher pessoas influentes, que poderiam determinar a sua segurança, proteção social e mesmo abrir caminhos futuros. Os respectivos padrinhos eram cientes desta demanda e as aceitava, exercendo este papel.

Para a Igreja, este deslocamento de sentido e duplicidade inesperada, trouxe graves problemas na ordem da fé: pessoas sem fé, em condições morais inadequadas, não católicos (maçônicos, por exemplo). Afilhados interessados à proteção e não empenhados à vida religiosa.

Na questão dos negros, o problema do apadrinhamento trazia uma relação conflituosa e problemática, pois muitos dos padrinhos eram os senhores de engenho. Isso, criava uma relação de dependência entre o senhor e seus escravos. Os escravos eram obrigados a uma obediência formal, religiosa aos seus senhores. Os senhores se comportavam como donos do corpo, mas também da alma de seus respectivos escravos.

Um verdadeiro nó na relação entre escravos e senhores: de uma relação social à uma relação religiosa. Um fato derivado é que no Brasil muitos dos escravos receberam os nomes de seus senhores. No entanto, a Igreja percebeu esta relação de subserviência e, por isso, na prática os senhores ficaram proibidos de serem padrinhos de seus próprios escravos.

Assim, podemos categorizar os batismos da seguinte forma:

  1. Batismo de escravos: não podia ser os pais;
  2. Batismo de criança alforriada;
  3. Batismo de negro adulto. A relação de batizados e padrinhos ficou assim construída:
  1. Escravos serviam de padrinho para escravos
  2. Escravos não serviam de padrinhos para os nascidos livres
  3. Livres serviam de padrinhos para escravos
  4. Livres serviam de padrinhos para os nascidos livres.

Por fim, podemos dizer que a relação padrinho x afilhados foi um dos pontos de tensão e organização social. A Igreja, no seu direito cotidiano da prática pastoral, procurou establecer limites e abrir caminhos mais adequados a esta relação. À Igreja interessa a fé, mas fatores sociais determinaram e ainda determinam a escolha dos padrinhos. De fato, esta mentalidade é ainda fortemente presente e traz embaraços pastorais.


O conceito de branqueamento

Os jesuítas se fazem também protagonistas da história dos negros no Brasil. Num primeiro momento histórico, os jesuítas se concentraram sobre a conversão e formação religiosa dos indígenas. Porém, o que parecia inicialmente fácil, tornou-se uma difícil caminhada. Os indígenas não se mostraram tão dóceis ao processo de evangelização.

No decorrer dos anos, Portugal desenvolveu um interesse econômico pelo Brasil e para explorar os recursos naturais se fazia necessária uma mão-de-obra. Os índios foram os primeiros a serem colocados, mas se mostraram inaptos a tal trabalho e pouco resistentes. No lugar deles, encontramos o início de mão de obra escrava negra trazida da África.

Os jesuítas se colocaram numa situação desconfortável. Provocar um confronto, seria abrir um celeuma com o governo imperial e com os senhores locais. Aceitar tacitamente a situação, era se colocar contra a fé cristã. Podemos dizer que uma das saídas nós a encontramos no Sermão aos Escravos de Antônio Vieira. Neste sermão e outros escritos, Vieira faz um paralelismo entre os escravos e a situação do povo de Israel no Egito.

Compara o sofrimento do povo negro com o sofrimento de Cristo. A sua leitura da situação procura encontrar uma solução bíblica e indicar aos negros escravos uma “conformação” à situação, aceitando-a como “partícipes” do sofrimento do Cristo.[2]

Assim, Vieira argumentava contra a escravidão, mas procurava lhe dar uma visão cristã aos negros. Pode-se a aplicar a frase: educação religiosa, escravo cristão é escravo obediente. Toda justificativa religiosa foi instrumentalizada para apaziguar conflitos e estabelecer normas e condutas entre senhores e escravos.

Esta relação entre fé – sociedade escravocrata se tornou uma grande dificuldade para establecer parâmetros à historiografia. Retomamos ao discurso que à Igreja católica foi dado o lugar histórico de algoz e comprometida com o poder vigente.

Eis,em resumo, o sentido profundo desta versão ideológica da escravidão: manter as relações de dominação entre senhores e escravos, preservar a hierarquia entre brancos e negros, mas canalizar os conflitos para o interior da “família cristã” sob o arbítrio divino. Senhores e escravos teriam que ser, antes de tudo, cristãos.[3](3).


Abolição da Escravatura

Os argumentos para a Abolição da escravatura no Brasil tem dois aspectos fundantes para questionar: a escravidão era algo igualmente contra as bases da religião (cristã) e da Razão (iluminista). Rejeitava-se a idéia de um fim imediato da escravidão, pois era grande a preocupação com a continuidade da produção agrícola.

Ligava-se a idéia da diminuição da população escrava a um projeto de incentivo à imigração, de preferência européia: os imigrantes brancos deveriam substituir os escravos negros nas plantações e posteriormente acelerar o processo de implantação das primeiras indústrias nos centros urbanos do país. Por isso, a identificação de branco e progresso. As primeiras idéias abolicionistas tinha como fundo esta preocupação de alcançar o progresso.

Não confiar nos negros, pois são perigosos. Um artigo no jornal Braziliense afirma: a população (africana) facticia, de pouco valor e perigosa (...) e propõe o autor: recolher no Brasil a mais vantajosa colheita de emigrados de toda a parte da Europa[4](...).

Assim, se compreende que por detrás de um discurso anti-abolicionista se esconde também uma intenção de purificação da raça. Substituir a mão-de-obra para alcançar o progresso e diminuir a presença dos negros no processo produtivo. Neste mesmo período, no Brasil a idéia de “branqueamento” por miscigenação foi muito comum e proposto: casar negros e índios, e os filhos destes com brancos para que se chegasse a uma raça mais branca.

Por fim, por detrás do discurso abolicionista a idéia de justificação religiosa, branqueamento e desenvolvimento econômico foram preponderantes.

As Irmandades Negras

As Irmandades e Ordens Terceiras foram muito importantes para a história da igreja no Brasil. Organizaram-se no Brasil em classes sociais e também por cor, inclusive, existiam as negras.

A coroa portuguesa exercia um forte controle dentro das irmandades e ordens laicas. Era um modo de permitir a associação, fortalecer a coesão social sob os cuidados da Igreja que, por sua vez, era submissa ao Estado pelo regime do Padroado.

No Brasil foi aplicado o critério de cor para organizar e separar as associações, ao contrário de outras partes do mundo que se organizava por classe social e profissão (trabalho). Assim, encontramos as irmandades de brancos, negros e pardos.

Os negros tinham como protetores nas suas irmandades: Nossa Senhora do Rosário; dos Pretos, Santa Ifigênia, São Benedito, Santo Antônio de Catagerona, São Gonçalo, Santo Onofre, os quais a hagiografia eram negros ou pardos. Entre estes, Nossa do Rosário é a quem obtém maior devoção e irmandades.

São várias as teorias para justificar esta devoção especial dos negros a Nossa Senhora do Rosário. Uns atribuem ao fato que a devoção se tornou muito viva e presente na Península Ibérica após a guerra de Lepanto. Os dominicanos foram responsáveis por promover a devoção a Nossa Senhora do Rosário e difundir o costume da oração cotidiana do rosário.

Outros atribuem a devoção tão viva dos negros a Nossa Senhora do Rosário pela intensa pregação proselitista dos padres dominicanos em Portugal; com isso, eles foram capazes de atrair os negros de Portugal para tal devoção, e posteriormente influiria a devoção no Brasil.

Contudo, o aparecimento da associação de negros criou uma animosidade por parte das irmandades dos pardos e brancos. Estes acusavam os negros de excesso de autonomia e acusavam os padres dominicanos de ter apoiado. Fato é que estas confrarias cresceram em número e financeiramente tornando-se autônomas das irmandades brancas e pardas.

A base para o crescimento das irmandades negras estava nos «petitórios»: pedidos de ofertas para a Irmandade. Neste sentido, parece-me que os negros obtinham sucesso junto à população, ou mesmo junto aos governantes que, tocados pela situação de sofrimento, lhes oferecia grandes ofertas em preferência às irmandades dos brancos.

As irmandades brancas acuadas pediam a unificação das irmandades: fazer somente uma irmandade de «Nossa Senhora do Rosário» sem separação, resolvendo o problema das petições e do crescimento das irmandades negras.

São características destas irmandades negras: - a não discriminação: brancos, pardos, mulheres, eram acolhidos na irmandade; - negros «cativos» e livres; os primeiros, cativos, eram no início o maior número, mas com o passar dos anos os livres se tornavam o grupo mais forte.

Profundas modificações culturais promovidas pela mentalidade iluminista francesa afetaram a vida do Brasil. As irmandades perderam o princípio de coesão social, de promoção do grupo e das práticas caritativas. Essa crise proporcionou uma disputa interna na qual os seus membros se ocupavam com a promoção de festas.

As disputas para quem organizava a mais bela festa e a mais concorrida se tornaram o ponto crucial das irmandades. Uma diminuição do aspecto protetivo e religioso, com o incremento da vaidade pessoal, indício dos novos tempos, pode ter levado muitos homens a se desinteressarem da confraria. O religioso se transformava sempre mais em devoção. No entanto, a força política e a presença social dos negros se fazia notar através destas organizações. Era um espaço religioso, devocional, de exercício político e social.

Em conclusão, podemos dizer que as irmandades negras foram este espaço de construção de identidade e liberdade. Nascidas dentro da igreja, protegidas pela própria coroa, foram relevantes para a construção de uma consciência grupal.

Hoje, as irmandades negras foram reduzidas a poucas, outras desapareceram na história. Após a abolição houve todo um processo de descapitalização dos negros: não havia mais apoio do estado, os benfeitores se colocaram em atitude de suspeita, internamente os negros precisavam de dinheiro para se manter.

Encontramos ainda os Congados dedicados a Nossa Senhora do Rosário e outros santos. Os grupos de Congados se organizam em reinos. Tem reis vitalícios, mas a cada ano escolhem reis para promover a festa de nossa Senhora ou do santo protetor. As atividades dos congados se realizam através de Missas, procissões públicas com roupas típicas, danças e comidas.

A relação dos grupos de congados com a Igreja é conflituosa, pois se mantém no âmbito devocional sem um direto compromisso com a Igreja. Organizam as suas festas de forma autônoma, possuem calendário e espaços próprios para a reunião, mas recorrem à Igreja paroquial para os ofícios (Missas).

Na mentalidade da maioria dos leigos católicos, os grupos de congado são relacionados a ritos afrobrasileiros não-católicos e, por isso, são discriminados e não acolhidos. Sem dúvida estes é um dos pontos nevrálgicos da relação Igreja e negros.

NOTAS

  1. RAMOS A., Etnografía Religiosa 1934
  2. Hofbauer A. Uma história de branqueamento ou o negro em questão, UNESP, São Paulo 2006, p. 141-197.
  3. Vainfas R., Ideologia e Escravidão – os letrados e a sociedade escravista no Brasil Colonial, Ed. Vozes, Petropólis 1986, p. 116.
  4. 1814, XII, p. 914

BIBLIOGRAFIA

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NIVALDO MAGELA ALMEIDA RODRIGUES