CANECA, (Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo)

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
Ir a la navegaciónIr a la búsqueda

Recife, 1779; Recife,1825) Religioso carmelita, político

Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo e Caneca, pernambucano do Recife, ingressou no Carmelo em 1796, vindo a ser ordenado presbítero em 1801. Ele pode ser considerado um dos expoentes do clero liberal da época, que tinha no Seminário Nossa Senhora da Graça de Olinda, uma das suas referências. Dito seminario começou a funcionar aos 16 de fevereiro de 1800, por iniciativa de Dom José Joaquim da Cunha d’Azeredo Coutinho (1742 – 1821), ligado à maçonaria.[1]

Em pouco tempo a mencionada casa de formação se transformou num centro de difusão do liberalismo revolucionário, econtrando terreno fértil para se desenvolver graças ao autoritarismo político vigente. Primeiro, em 1817, aconteceu no Pernambuco uma revolução que contou con grande participação de clérigos, a qual, mesmo tendo sido duramente reprimida, não eliminou a insatisfação reinante. Assim, em 1824, já nos tempos do Brasil independente, eclodiu a “Confederação do Equador”, envolvendo várias províncias nordestinas.

Os líderes, as circunstâncias e inclusive as propostas, não eram exatamente as mesmas, mas, uma coisa se repetiu: a presença ativa de padres, com destaque para Frei Caneca, que, não só participou de ambas, como se tornou um dos líderes da segunda rebelião. Sua atuação, coragem, ideais libertários e mais a rocambolesca execução a tiros que sofreu no Recife aos 13 de janeiro de 1825, depois que o carrasco e dois escravos se recusaram de enforcá-lo, transformaram-no num heroi nacional;[2]mas, no campo estritamente religioso, a figura do mencionado frade merece outra interpretação.

Nesse sentido, vale recordar que Frei Caneca teve três filhas ilegítimas – Carlota, “Joaninha” e “Aninha” – a quem escrevia como “padrinho”, e chamando-as de “minhas afilhadas”. Numa das cartas para “Aninha”, ele inclusive se traiu, chamando-a de “afilhada das minhas entranhas”.[3]Igualmente vista com reservas foi sua vida pública, pois sabe-se que a mesma se pautou mais pelo ardor político que pela piedade mística, além do fato de que ele era maçom. Frei Caneca cometeu a proeza de ter ajudado a estabelecer no Brasil as bases de certa versão segundo a qual a instituição maçônica, além de virtuosa, progressista e benemérita, estaria em perfeita harmonia com o Cristianismo, coisa que seria mais tarde repetido com insistência por personagens como Joaquim Nabuco.

Foi da sua pena que saiu o artigo em que ele, sob o pseudônimo “Pítia”, cantava os maiores louvores aos “pedreiros livres” e aos seus feitos: “Afirmo que nos seus dipticos se acham os nomes mais sábios, mais respeitáveis de todas as classes, de religiosos os mais pios, de eclesiásticos de todas as hierarquias. [...] A maçonaria não é oposta ao Cristianismo, nem tem cousa alguma com as diferentes formas de governo, pois que ela se acha estabelecida e floresce em nações republicanas, aristocráticas e monárquicas”.[4]

Viriato Corrêa, sem citar a participação de Frei Caneca na maçonaria, formulou sobre ele um juízo pertinente: “Os assuntos terrenos preocupavam-no muito mais que os assuntos do céu. […] o seu deus não era o Deus cristão, e sim um deus diferente – a Pátria – que era o Brasil”. Isso não era um simples detalhe, pois muitos clérigos de então, ao se colocarem a favor ou contra o sistema político, deixavam em segundo plano o específico do próprio ministério. Soube intui-lo Francisco da Silva Rabelo, pai de Frei Caneca, que em meio ao seu desespero, ao encontrar-se no pátio do Convento do Carmo de Recife com frei Carlos de São José, provincial carmelita, que também esperava o cadáver, repreendeu-o com uma acusação cheia de significado: “Vossa Rev.ma é o culpado da morte de meu filho! O culpado sim, porque não o reteve aqui no convento para impedir que ele se metesse em política”.[5]

NOTAS

  1. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados, sessão de 1873, tomo I, Tipografia Imperial e Constitucional de J. Villeneuve, Rio de Janeiro 1873, p. 163.
  2. Cf. ELOY TERRA, As ruas de Porto Alegre: Curiosidades, Editora Age, Porto Alegre 2001, p. 78.
  3. JOAQUIM DO AMOR DIVINO RABELO E CANECA, Obras políticas e literárias, tomo I, Tipografia Mercantil, Recife 1875, pp. 139 – 140.
  4. JOAQUIM DO AMOR DIVINO RABELO E CANECA, o.c., pp. 402, 405 – 406, 409.
  5. VIRIATO CORRÊA, História da liberdade no Brasil, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro 1974, pp. 151 – 154.


DILERMANDO RAMOS VIEIRA

Assessoria a MARIA DEL CARMEN ZAYAS SUAREZ,

Artículos relacionados