DAS CHAGAS LIMA Francisco

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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(Curitiba, 1758 – Guarapuava, 1832) Padre, apóstolo dos gentios, fundador

O Padre Francisco das Chagas Lima nasceu em Curitiba no ano de 1758, filho de um sargento-mor, foi ordenado sacerdote aos 22 anos.[1]Ficou na memória da Igreja e da historia principalmente por seu trato com os índios. Conhecemos o trabalho do Padre Chagas através de vários relatórios, memórias que ele mesmo fez de seu trabalho.[2]Em uma de suas memórias Padre Chagas faz uma pequena autobiografia:

“O único missionário que resta, já tem 69 annos, e trata de se recolher para tratar do seu alivio e descanço nos últimos dias que lhe restam de sua existência; e ainda que estivesse em idade mais robusta, já não pôde só abranger a tudo o que exige em Guarapuava dos deveres de seu ministério da missão. Elle conta com 41 annos de serviço no Bispado de São Paulo, foi 15 annos coadjutor e vigário collado na Villa de Coritiba, 4 annos na capella de N. S. da Apparecida, districto da Villa de Guaratinguetá, 5 annos cathequisou na aldeia de Quêluz, e residiu 17 annos em Guarapuava.”[3]

O fragmento autobiográfico supracitado escrito por ele na 3ª pessoa do singular em 1827 resume todas as suas atribuições ao longo de seu ministério sacerdotal. O que se percebe dos documentos é que era um homem incansável, dedicado de corpo e alma ao seu apostolado. O sucesso de sua missão como catequista dos índios de Queluz (os índios «puris») foi o que o habilitou ao serviço da Real Expedição aos Campos de Guarapuava.

Suas funções na Real Expedição de 1809

Segundo Arthur Martins Franco, o Padre Chagas foi convidado pelo Governador da Província de São Paulo para Fazer parte da Real Expedição em Abril de 1809. Juntamente com ele foi convidado o Padre Jesuíno do Monte Carmello para a catequese dos índios. Este último se desculpou e não aceitou o convite, sendo substituído pelo Frei Pedro Nolasco.[4]

O mesmo Arthur Martins Franco informa que em Maio de 1809 foram nomeados os auxiliares da Expedição e entre eles o “Padre Francisco das Chagas Lima”.[5]O Sacerdote começou exercer sua função de Capelão da Real Expedição no dia 24 de Setembro de 1809 quando boa parte da Expedição já tinha partido em Agosto. É o que se lê em carta enviada pelo Padre ao Governador da Província de São Paulo em nove de Outubro do mesmo ano:

“IIImo°. E Exmo. Snr°. Antonio José da Franca e Horta. Quinze dias hão, q- felizmente cheguei a este primeiro abarracamento, que se chama São Felippe, Légua e meia dentro do bosque inculto, que imos atravessar pª. Chegar ao Campo de Guarapuaba. Agente, q- aqui se acha, são cento, e quarenta homens, entrando nesse numero os Milicianos, e Ordenanças, que a dous mezes aqui entrarão; e os saldados da Linha, que ontem chegaram com o seu Commandante. O Tente. Coronel Diogo Pinto de Azevedo Portugal consta, q- no dia 10 do corrente, q- he amanha, parte da Villa de Corytyba para este destacamento. Os ditos Milicianos, e Ordenanças, comandados pelo Alferes Bernardo José Pinto Prª. Tem trabalhado mt°.;por quanto neste breve espaço de tempo derribarão mattas para vinte alqueires de sementeira de milho, e fizerão aquartellamt°s. (cubertos de palha) para a tropa e seu officiaes, almazem pª.o trem, casa para nella se celebrar o Santo Sacrifício da Missa, e de residência, pª. Mim, e o meu companheiro o R. Fr. Pedro A. Nolasco, com qm. Estou junto neste destacamt°., cuidando na instrução da nossa corporação, visto q- dos Índios Selvagens ainda não há a menor noticia; e por conseqüência nem redução.”[6]

Além de confirmada a sua atuação como Capelão da Real Expedição, se percebe através da carta, o bom relacionamento do Padre Chagas com o Governo de São Paulo. Além disso, percebe-se também a sua vocação de líder, pois faz um verdadeiro relatório detalhado dos trabalhos da Expedição mesmo antes de o seu Comandante, Diogo Pinto, chegar ao local. Porém, o fato de o Padre Chagas ter aptidão para coordenar outros trabalhos além do exclusivamente religioso, causará problemas entre ele e o Comandante da Expedição.

Na mesma carta de Outubro de 1809 ao Governador da Capitania de São Paulo ao encerrar a mesma, Padre Chagas expressa sua ansiedade em encontrar-se e converter os índios, nas suas palavras, «os infiéis»: “[...] já me disponho a sofrer por este anno os ares deste sertão, bem pouco benignoz a saúde dos homens; e sobre tudo à vehemência dos meus desejos; q- todos são de ver me já no Campo trabalhando na conversão dos infiéis”.[7]

Depois de 13 anos de trabalho, apesar das doenças e o aumento do trabalho, Padre Chagas continua com o mesmo vigor: “[...] não tenho vontade algua de renunciar ao meu Emprego, porque histo seria olhar para trás depois de haver mettido mão ao arado [...]”. O trabalho árduo do Padre Chagas foi reconhecido. Em 1853, o Padre e deputado-geral Ildefonso Xavier Ferreira reclamou que, a respeito de catequese indígena, eram sempre lembrados os jesuítas. Ildefonso evocou o Padre Chagas, reconhecendo no missionário a imagem de mártir: “No começo deste presente século apareceu [...] um gênio raro, [...] o virtuoso curitibano padre Francisco das Chagas Lima, que estando capelão de Aparecida (Guaratinguetá) foi mandado a Queluz, hoje villa Rica e populosa ao pé de Areias para catequizar. Lutando contra a penúria, contra a fome e contra a miséria [...] conseguiu [...] aldear os índios, reduzi-los à fé católica e proporcionar aos fazendeiros aqueles ricos terrenos para a cultura do café.[...] [Em Guarapuava] seus trabalhos foram destruídos pelo comandante da expedição que contra a vontade do missionário queria misturar e com efeito misturou os soldados com os indígenas facilitando assim a desenvoltura dos soldados entre os selvagens, também a ela propensos. Esse passo foi o bastante para que o padre enlouquecesse e assim findou seus tristes dias [...].” O fato citado pelo padre e deputado Ildefonso como causa da doença mental do Padre Chagas e consequentemente de sua morte, foi apenas um dos desacordos entre Padre Chagas e Diogo Pinto comandante da Real Expedição. Porém, não se pode atribuir a causa da destruição do trabalho do Padre, sua doença e morte a apenas esse fato.

É verdade que as visões diferentes entre os dois líderes prejudicaram o trabalho, mas não o destruiu. Realmente o Padre Chagas teve muitas dificuldades em seu trabalho na catequese dos índios, mas não foi somente um fato a causa das dificuldades. A citação do discurso acima foi apenas para ilustrar a fama e o reconhecimento do trabalho do Padre Chagas como catequista dos indígenas em nível nacional.

Ainda sobre a importância do trabalho e figura do Padre Chagas, o grande indigenista José Joaquim Machado de Oliveira, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, afirmou o seguinte: “seria indubitavelmente proveitoso estudar o caráter, a índole desse zeloso catequista; os fatos que decorreram da sua vida de missionário, para que possa servir de norma aos que houverem de achar-se em posições idênticas”.

Ainda antes de terminar seu tempo de trabalho em Guarapuava, Padre Chagas transmite ao Imperador uma série de informações a respeito da catequese dos índios no qual informa que desde 1812 trabalhou sozinho com acumulo de funções: “[...] tais, como se acaba de expressar, eram os costumes dos povos, que a Real Expedição de 1809 se dirigiu a conquistar, a fim de serem reduzidos à civilização, e à cristandade. Se bem que para esse ultimo fim acompanharam a expedição, na sua primeira entrança dois missionários, quando as primeiras hordas de camés e votorons a ela se renderam ao 1° de Agosto de 1812 não se achava em Guarapuava, senão um sacerdote, que devia juntamente servir de capelão à tropa militar e de catequista aos índios. Eu portanto, eu mesmo fui o que tomei a cargo esta empresa; e que a tenho continuado há catorze annos, esperando que Deus a houvesse de abençoar, e liberalizar seus frutos; pois como diz o apostolo (Ep. Ad Cor.3) «Neque qui plantat est aliquid, neque qui rigat, sed qui incrementum dat, Deus.» É importante salientar que o Padre Chagas não foi um catequista desligado dos problemas de sua época. Além de catequista, foi também capelão das tropas militares e acima de tudo um grande líder com uma fé inabalável. Como tal, sabia muito bem que o êxito de seu trabalho implicava na boa administração, no bom exemplo e senso de justiça dos responsáveis pela Expedição, de todos os militares para com os índios e também dos colonos.

Por isso, no desenvolver de seu trabalho teve muitos conflitos. Mas eram os índios a sua lavoura, o seu rebanho de convertidos que o Padre chagas tinha sempre em mente e por estes doou grande parte sua vida.

É esse trabalho incansável cheio de problemas, de desilusões, sofrimentos, do esforço em compreender os índios, de defendê-los e reduzi-los à fé Católica que por 18 anos Padre Chagas se dedicou em Guarapuava onde ele morreu em 1832. Suas cinzas estão localizadas no centro da Praça 9 de Dezembro, em Guarapuava.

NOTAS

BIBLIOGRAFÍA

CASSAB JEHA S., O Padre, o Militar e os índio. Dissertação de Mestrado em História. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2005

MARTINS FRANCO A., Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava, Edição do Museu Paranaense, Curitiba 1943

XAVIER FERREIRA I., «Prólogo», in Constituiçoes Primeiras do Arcebispado da Bahia, Typographia 2 de Dezembro, São Paulo 1853


ANTONIO AILSON AURELIO

  1. Cf. S. CASSAB JEHA, O Padre, o Militar e os índios, 23.
  2. Escritos do Padre Francisco das Chagas Lima, já publicados: «Estado Actual da Conquista de Guarapuava no fim do anno de 1821» in A. MARTINS FRANCO, Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava, Edição do Museu Paranaense, Curitiba 1943, 233-268; «Memória sobre o descobrimento e colônia de Guarapuava» in MONUMENTA, 55-86. Não publicados: «Informação do Missionário e vigário Collado na Fregueszia de N. Snrª de Belém nos Campos de Guarapuava 15 de Janeiro1827», in AESP, Ofícios de Castro, Caixa: 192, Ordem: 987, Pacote 1, Doc. 66; Tem-se ainda vários ofícios do Pároco e cartas ao Governador da Província de São Paulo na Mesma caixa e ordem do supracitado Arquivo. Todos esses documentos estão em nosso possesso, os quais serão citados conforme a necessidade de usá-los ou não no desenvolver de nossa pesquisa.
  3. F. DAS CHAGAS LIMA, «Memoria Sobre o Descobrimento e Colônia de Guarapuava», in MONUMENTA, 77-78.
  4. A. MARTINS FRANCO, Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava, 65.
  5. Ibidem, 66.
  6. F. DAS CHAGAS LIMA, «Carta ao IIIm°. E Exmo. Snr°. Antonio José da Franca e Horta», in Ibidem, 76.
  7. F. DAS CHAGAS LIMA, «Carta ao Governador Antonio José da Franca e Horta em 1809», in A. MARTINS FRANCO, Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava, 77.