FEIJÓ, Diogo Antônio

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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FEIJÓ, Diogo Antônio (São Paulo,1784; São Paulo, 1843).

Padre secular paulista, Diogo Antônio Feijó (1784-1843) foi uma das figuras mais polêmicas do clero oitocentista brasileiro. No dia 17 de agosto de 1784, recém-nascido, abandonaram-no na soleira da casa do Pe. Fernando Lopes de Camargo, que o acolheu e criou, enviando-o depois, em 1800, para a Vila de São Carlos (atual Campinas). Ali ele passou a estudar retórica com o professor “pombalista” Estanislau José de Oliveira (vulgo “Gica retórica”), cuja influência parece ter sido decisiva sobre sua personalidade. Após completar o curso de humanidades, Diogo Antônio Feijó ingressou no improvisado “seminário” de Campinas,[1]no qual, por força das circunstâncias, se tornou um autodidata. Em dezembro de 1808 foi ordenado diácono na capela particular do palácio episcopal de São Paulo, por Dom Mateus de Abreu Pereira (1742-1824), e no ano seguinte, se tornaria presbítero.[2]

Como sacerdote trabalhou em várias paróquias, até que, sem abandonar o estado clerical, ingressou na vida política. Nessa nova fase ele participou da delegação brasileira junto às “Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa” em Lisboa, e em seguida, a partir de 3 de março de 1826, tomou posse na primeira legislatura da Câmara dos Deputados, como suplente de José Feliciano Fernandes Pinheiro, o visconde de São Leopoldo (1774-1847), escolhido para senador naquele ano. Ao chegar à capital federal para exercer o mandato, Feijó trazia pronto um projeto inspirado à Constituição Civil do Clero imposta pela revolução francesa em 1790, que pretendia aplicar ao Catolicismo no Brasil. Ele o apresentou ao padre Romualdo Antônio de Seixas Barroso (1787-1860), mas aquele o rejeitou categórico.[3]

Sem se desanimar ante a negativa, o clérigo paulista tentou efetivar sua proposta assim que foi eleito para as comissões de Instrução Pública e Negócios Eclesiásticos da Câmara Federal. Encontrou o pretexto que desejava no dia 10 de outubro de 1827, quando o deputado e médico baiano Antônio Ferreira França, vulgo “Francinha” (1771 - 1848), elaborou proposta de lei abolindo o celibato clerical no Brasil. Sem esperar o parecer dos colegas da Comissão Eclesiástica, Feijó apresentou um voto separado, no qual, além de apoiar a iniciativa, atribuía ao Estado a competência de legislar livremente sobre a disciplina interna da Igreja. Para justificar os casos de prevaricação de estava ao par, afirmava: “São fraquezas da humanidade, mas convém por isso mesmo não advogar contra ela, porque todos somos homens…”[4]

Pe. Romualdo Seixas – que seria sagrado bispo no ano seguinte – estava no parlamento no momento em que a proposta foi apresentada e, aberto o debate, soube nos dias seguintes explorar com êxito as fraquezas do projeto apresentado, conseguindo reverter a situação, fazendo a proposta cair. O irrequieto padre não desistiu, porém, da sua luta, mas a crise interna com que se debatia o Primeiro Império não permitiu que se abordasse de novo questões do gênero. Após a abdicação de Dom Pedro I, ele teve nova chance de retomar sua peleja, pois a Regência o nomeou como titular da pasta da Justiça aos 4 de setembro de 1831.

Em seguida, além de reascender as polêmicas anteriores, ele acrescentou questões novas. A bem da verdade, a celeuma tinha sido reaberta antes mesmo que o padre tomasse posse, uma vez que, nos dias 17 de maio e 11 de junho precedentes, Feijó, junto com o Pe. Antônio Maria de Moura e outros regalistas, articulou três polêmicos projetos que de nenhum modo poderiam ser – e de fato não foram – aceitos pela Santa Sé: o da “caixa eclesiástica”, o do “presbitério” e um último sobre o matrimônio.[5]

O terceiro projeto era o mais controvertido de todos, porque propunha a abolição do celibato clerical como impedimento para contrair núpcias ou exercitar o ministério sacerdotal. Entretanto, intrigas políticas paralelas forçaram Feijó a se demitir no dia 2 de agosto seguinte e a regressar a São Paulo. Lá, tendo como fiel aliado o Pe. Manoel Joaquim do Amaral Gurgel, reiniciaria a luta contra o celibato, tentando convencer o bispo diocesano, Dom Manuel Joaquim Gonçalves de Andrade (1775-1847), a suprimir a continência obrigatória na sua jurisdição. Pego de surpresa, o Ordinário de lugar, que não era exatamente um homem de energia, esquivou-se, submetendo a questão ao Governo central. O ministro dos negócios estrangeiros, Conselheiro Aureliano Coutinho (1800-1855), no dia 3 de março de 1834, pediu a Dom Romualdo o seu parecer. O primaz, obviamente, deu resposta negativa, e o caso foi encerrado.[6]

Foi então que se fez necessário encontrar um novo titular para a diocese do Rio, dado que Dom José Caetano da Silva Coutinho (1768-1833), falecera aos 27 de janeiro de 1833. No dia 22 de março seguinte, o brigadeiro Francisco de Lima e Silva (1785-1853), na condição de membro da Regência Trina Permanente, sem a devida cautela, indicou para tanto o Pe. Antônio Maria de Moura (1794 – 1842), anteriormente citado. Dois anos depois, mais exatamente aos 11-10-1835, também Feijó seria nomeado prelado de Mariana, mas, por razões pouco claras, declinou a oferta. Pe. Antônio Moura, ao contrário, deu o seu sim sem hesitação.

A Santa Sé, contudo, não aceitou de confirmá-lo. A nota datada de 14 de setembro de 1833, assinada pelo Cardeal Tommaso Bernetti (1779-1852), alegou que Moura não possuía “as qualidades exigidas nas pessoas eclesiásticas, especialmente naquelas a serem promovidas à dignidade episcopal”. Isto, devido a quatro motivos principais: ele estava impedido canonicamente (fora ordenado padre em São Paulo sem as dimissórias do bispo de Mariana, seu prelado de origem); não era dotado de sã doutrina (havia subscrito os três projetos heterodoxos); tinha “defeitos de natal” (era filho ilegítimo) e “defeitos de corpo” (encontrava-se afetado de paralisia parcial na tenra idade de 39 anos), e era imputado de “outras graves coisas” (entre as quais, a embriaguez).8 Assim sendo, solicitava-se ao Imperador brasileiro de apresentar outro candidato para que a Igreja do Rio “fosse solicitamente provista de digno pastor”.[7]

Luís Moutinho, diplomata brasileiro, ainda tentou conseguir a confirmação, mas a Santa Sé manteve seu parecer. Entrementes, o Ato Adicional à Constituição, aprovado aos 12 de agosto de 1834 substituiu a Regência trina pela Regência una, o que apenas serviu para complicar a situação. O motivo foi que, no pleito nacional realizado no dia 7 de abril de 1835 para a escolha do Regente único, o vencedor foi justamente Pe. Diogo Antônio Feijó, a quem foram dados 2.828 votos, contra 2.251 recebidos pelo seu opositor, o nordestino Francisco de Paula Hollanda Cavalcanti de Albuquerque.[8]

A posse do padre-regente acontecida no dia 12 de outubro parecia ser o último passo para a consumação de um cisma irremediável, pois, como Pe. Moura era seu amigo e colega de ideias, Feijó, num dos seus arroubos característicos, ameaçou: “Quanto ao Doutor Moura a questão é outra. Faço o máximo empenho na confirmação desse titular da Igreja. E para tal vou até a separação da Igreja brasileira da de Roma”.[9]

A Secretaria de Estado da Santa Sé, contudo, não se intimidou e, no dia 28 de novembro seguinte enviou ao encarregado brasileiro uma resposta duríssima, rebatendo todas as suas objeções,[10]ao passo que no Brasil, Dom Romualdo Seixas conseguiu aglutinar as numerosas inimizades que o Regente possuía. A questão foi resolvida ainda naquele ano, com a derrubada por ampla maioria dos projetos apoiados pelo Regente. Afinal, com o prestígio desgastado, aos 19 de setembro de 1837, Feijó renunciou. Em seu lugar assumiu interinamente Pedro de Araújo Lima (1793-1870) que, em abril de 1838 seria eleito regente único. No ano seguinte ele anunciou oficialmente o reatamento das relações com a Santa Sé, pondo um ponto final na questão da nomeação dos bispos.

Nesse ínterim, através de uma carta datada de 1 de outubro de 1838, enviada a Bernardo Pereira de Vasconcelos (1795-1850), então ministro da justiça, Pe. Moura já havia desistido da indicação episcopal e regressado para São Paulo. No dia 10 de julho precedente, também Feijó fizera uma retratação pública. Ele ainda atuaria na política, tendo inclusive se tornado um dos líderes da fracassada revolução liberal de 1842; mas, as circunstâncias históricas não lhe eram favoráveis. Preso e deportado em Vitória, ES, lá ficou degredado sem julgamento. Levado depois para o Rio de Janeiro, se debilitava sempre mais, até lhe ser concedida licença para regressar para São Paulo, aonde viria a morrer após longa agonia na noite de 10 de novembro de 1843.[11]

Superados historicamente, tanto as ideias regalistas do falecido padre quanto seus projetos políticos saíram da pauta, até porque, a sucessiva reforma eclesial levada a cabo no Segundo Império, fez triunfar o ultramontanismo na Igreja do Brasil. Mesmo assim, vez por outra alguém recordava o padre paulista, a exemplo do deputado paulista Joaquim Otávio Nébias (1811-1872), que na sessão parlamentar de 11 de julho de 1864 mencionou o “honrado e muito distinto patrício o Sr. Diogo Antônio Feijó...”.[12]


DILERMANDO RAMOS VIEIRA

  1. HELIODORO PIRES, Temas de história eclesiástica do Brasil, São Paulo Editora, São Paulo 1946, pp. 367-383.
  2. LUIZ A. TALASSI, A doutrina do Padre Feijó e suas relações com a Sé Apostólica. Pontifícia Universitas Gregoriana, Roma 1949, p. 34.
  3. ROMUALDO ANTÔNIO DE SEIXAS, Memórias do Marquês de Santa Cruz, Tipografia Nacional, Rio de Janeiro 1861, p. 43.
  4. ASV, “Voto do Deputado Diogo Antônio Feijó como membro da Comissão Eclesiástica sobre a Indicação do Sr. Deputado Ferreira França, em que propõe que o clero do Brasil seja casado”, em: Nunziatura Apostólica in Brasile, fasc. 10, caixa 3, doc. n. 4, fl. 9 – 15b.
  5. ASV, “Lettera di Francesco Cappacini all’Incaricato d’affari della Santa Sede a Rio de Janeiro”, Archivio Nunziatura in Brasile, fasc. 18, caixa 4, doc. 82, fl. 233; IDEM, doc. 84, fl. 265.
  6. Cf. ROMUALDO ANTÔNIO DE SEIXAS, Memórias do Marquês de Santa Cruz, p. 349.
  7. ASV, “Breve memória histórica”, em: Nunciatura Apostólica no Brasil, fasc. 18, caixa 4, doc. 83, fl. 239b.
  8. JOSÉ FRANCISCO ROCHA POMBO, História do Brasil, vol. III, p. 388.
  9. ALFRED ELLIS JÚNIOR, Feijó e sua época, Universidade de São Paulo, São Paulo 1940, p. 336.
  10. ASV, Resposta da Secretaria de Estado ao Cavalheiro Drumonnd (18-11-1835), in: Nunciatura Apostólica no Brasil, fasc. 18, caixa 4, doc. 80, fl. 193 - 203.
  11. JORGE CALDEIRA (ORG.) Diogo Antônio Feijó, Editora 34, São Paulo 1999, p. 41.
  12. Anais do Parlamento Brasileiro – Câmara dos Deputados, Sessão de 1864, tomo 1, Tipografia Imperial e Constitucional de J. C. Villeneuve, Rio de Janeiro 1864, p. 90.