GUARAPUAVA; Descoberta e conquista

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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Descoberta dos Campos de Guarapuava e os primeiros contatos com os indígenas

Na segunda metade do século XVIII os portugueses tinham como interesse principal a sua política de expansão, ou seja, expandir ao máximo seus domínios no território brasileiro até então desconhecidos. Isso significava ocupar os sertões do Brasil Meridional para que os espanhóis não ocupassem primeiro.

Arthur Martins Franco citando Rocha Martins diz que: “O poderoso Ministro de D. José 1° - «que durante 27 annos explorou o reino como u’ a herdade» – na frase de Rocha Martins, encontrou no seu Lugar-Tenente da Capitania de São Paulo um fiel e inteligente executor dos seus planos de afirmação do domínio português sobre o vasto território lindeiro das antigas províncias do Guayra e dos Tapes e que soube bem desempenhar a árdua missão que lhe fora cometida «apontando os meyos que no estado presente desta América são os únicos que há para se conseguir esta proeza» que era a de se «alargar os domínios de S. Mag. Que Deos Gde., segurar os nossos Sertões e constituirmos huma barreira para que se não adiantem sobre elles os nossos vizinhos».”[1]

«O poderoso Ministro» a que se refere Arthur Franco trata-se do Ministro dos Negócios Estrangeiros e da guerra, Sebastião José de Carvalho e Mello, o famoso Marquês de Pombal. O executor dos planos de Pombal foi D. Luiz Antonio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, então governador da Capitania de São Paulo, o qual se serviu dos trabalhos de seu sobrinho, o ajudante de Ordens Tenente-Coronel Afonso Botelho de Sampaio e Souza.

Segundo Tatiana Takatuzi, “As primeiras explorações militares rumo aos Campos de Guarapuava datam da segunda metade do século XVIII, tendo sido expedidas sob ordem do então Governador da Capitania de São Paulo, D. Luiz Antonio de Souza Mourão, o Morgado de Mateus. Ao assumir o governo da Capitania em 1765, Morgado de Mateus recebera do ministro dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, Sebastião José de Carvalho e Mello, instruções no sentido de estender os domínios da região meridional da Coroa Portuguesa até a região do Prata. Entre os anos de 1768 e 1774, Morgado de Mateus enviou sucessivas expedições militares para as regiões que circundavam o Rio Registro e o Rio Tibagi e encarregou seu sobrinho, o ajudante de Ordens Tenente-Coronel Afonso Botelho de Sampaio e Souza, de instruir, comandar e organizar tais bandeiras.”[2]

Foram realizadas onze expedições no «sertão», conforme descrição do Tenente-Coronel Afonso Botelho ref>A. BOTELHO DE SAMPAIO E SOUZA, «Noticia da Conquista e Descobrimento dos Sertões do Tibagi, na Capitania de São Paulo, no Governo do Capitão-General Dom Luis Antonio de Souza Botelho Mourão, Conforme Ordens de Sua Majestade», in Anais da Biblioteca Nacional, vol. 76, Rio de Janeiro1962.</ref>, que mantinha contato com seus soldados por meio de correspondências enviadas pelo capitão oficial chefe e responsável pela expedição. Os Campos de Guarapuava foram descobertos quase que por acaso, uma vez que o intuito da 6ª expedição era localizar o capitão Antonio da Silveira Peixoto que na 5ª expedição havia se perdido. Descobriram depois que o mesmo caiu em mãos dos espanhóis e ficou preso em Buenos Aires por sete anos.[3]

Quem descobriu os campos de Guarapuava foi o sargento Cândido Xavier de Almeida no dia 9 de Setembro de 1770. O próprio Botelho faz o seguinte relato:

“O sargento Cândido Xavier (...) partindo do Porto das Capivaras aos vinte e seis de Agosto com trinta e um soldados, um sargento, e um tambor, e a seis de setembro chegou ao porto chamado do Botelho, e aos sete pelas nove horas da noite viram um clarão para a parte do norte, que mostrava ser de grande fogo, e ao dia seguinte caíam cinzas, que admirados mais vendo a multidão das aves que até ali não encontravam, assentando estar campo perto, mandou ao sargento José Lourenço das Neves com oito homens examinar o que era, e partindo aos nove, voltou aos dez com a noticia de que em meio dia de picada saiu ao campo aonde topou um rancho cumprido, e reconhecendo com cautela, vendo não aparecia gente se chegaram a êle, e viram ser paiol de gentio onde guardavam seus mantimentos das roças, que também ali viram, e mais sinais, que ficaram certos ser dos gentios, que por aquelas partes habitam, parecendo também, que eles estariam nas roças onde viram fogo, e dentro do paiol muito milho, feijão em cestos, abobras, e duas pilhas de pontas de flechas, porém em nada tocaram, como levavam por ordem, e só tiraram ũa espiga de milho, e um pouco de feijão. Ũa ponta de flecha para certeza do que viram.”[4]

Depois dessa descoberta, o sargento Cândido Xavier teve que se retirar por falta de mantimentos e também por medo dos índios que se aproximavam perigosamente. Porem, o governador da Província de São Paulo, Morgado de Mateus ordenou severamente o retorno e a conquista daquele campo tão importante para os objetivos da Coroa Portuguesa.

O interesse em ocupar aquele campo era tão grande que depois de varias tentativas frustradas por falta de recursos e resistências dos índios o próprio Afonso Botelho comandante geral de todas as expedições resolveu conquistar tal campo, e partiu com a 10ª expedição.

Chegou ao campo a quatro de dezembro de 1771, dia de Santa Bárbara. Juntamente com o comandante estava o padre frei José de Santa Tereza, religioso franciscano capelão da dita expedição. Foi ele que no dia 8 de dezembro de 1771, dia da Imaculada Conceição celebrou a primeira missa, como narra emocionado Afonso Botelho juntamente com um fato um pouco misterioso acontecido no local:

“Aos oito de dezembro, dia de Nossa Senhora da Conceição se disse a primeira missa nos campos de Gorapuava em que sucedeu estando tộda a gente a ela em um oratório que para isso se fez, e preparou com a descência possível, tendo a frente para o sudueste, donde corria o vento tão sereno, que não ofendia as luzes do altar, se ouviu que um pano batia os ares movendo-se com violentos impulsos, e porque o vento não era bastante para tão repetidos movimentos, motivou a curiosidade de quase todos para examinar o caso, e acharam, que permanecendo a bandeira serena no baluarte alvorada, se tinha levantado ũa grande toalha da mesa, que estava estendida ao sol com outras mais roupa por detrás dos quartéis ao lado da epístola em distancia de quarenta passos, a qual estendida em forma de bandeira em boa altura, fazia seus movimentos tempo bastante, até que serena caiu na praça, o que presenciaram todos os que estavam do oratório para fora.”[5]

 Afonso Botelho estava muito animado com a descoberta e os contatos amigáveis com os indígenas inclusive com trocas de mercadorias entre portugueses e os ditos índios. Na verdade os índios estavam averiguando o poder de guerra dos portugueses e a melhor maneira de atacá-los. O que de fato aconteceu no dia 8 de janeiro de 1772. Fato esse que causou a retirada da expedição de Botelho dos  campos de Guarapuava. Botelho narra o ocorrido da seguinte forma:

“No dia 8 de janeiro voltou àquele pộrto grandíssimo numero de gentio, que se averiguou ser de diversas nasçoes, que confederados se tinham unido para a traição, que descobriram, de que Deus por sua providencia livrou a esta expedição da manhosa sagacidade com que se armaram para acabarem a todos, de que não se poderam eximir sete camaradas, que ficaram sepultados nos Campos de Gorapuava. À vista deste bárbaro proceder do gentio, vistas as ordens, que o tenente-coronel tinha de não ofender, ainda que eles como bárbaros atirassem algũa surriada de flechas; a falta de mantimento, e o receio de que o gentio tomasse a entrada do mato, e ficasse impossibilitado da comunicação para o povoado, a pouca gente, e esta cansada, se resolveu a retirar tộda a tropa, e trem dos campos, conservando os caminhos abertos para continuar a mesma diligência quando o general o determinasse, e ao diante se dá particular noticia do primeiro encontro, que se teve com o gentio, e de tudo o mais, que se passou com êlle.”[6]

Depois de outras tentativas de ocupação frustradas pela resistência dos indígenas e mudanças no governo da província de São Paulo, ficaram os Campos de Guarapuava abandonados por quase 40 anos. A ocupação e conquista de Guarapuava foi retomada somente no início do Século XIX com a Real Expedição de 1809.

Localização Geográfica dos Campos de Guarapuava

Para melhor compreensão e localização do território dos Campos de Guarapuava, tomar-se-á como parâmetro a descrição feita pelo Padre Francisco das Chagas Lima,[7]na qual além de relatar a limitação geográfica, descreve também a origem do nome do espaço em questão:

“Ficam comprehendidos os campos de Guarapuava em uma parte do território antigamente denominado Guairá. Contam que aquelle nome lhe foi dado por uns antigos sertanistas, que havendo chegado aos ditos, caçando uma arara, que prenderam pelo pé, esta fizera esforços por libertar-se e não podendo partir a correntinha com o bico, applicou este à perna, e cortando-a se escapou. Os sertanistas então disseram, em fhrase da antiga linguagem do paiz, Guará (em contradição à palavra Guairá, que significa pássaro pequeno), e Puava, isto è ave que não è rasteira, mas voadora veloz; cujo acontecimento resultou ficar o campo com aquelle nome, o qual depois se deu ao vasto terreno desde o rio Ytatứ (em cujas margens esteve a antiga e demolida Villa Rica) até às cabeceiras do Uruguay, e desde a serra dos agudos até o rio Paraná.[8]Comtudo à extensão dos ditos campos tem somente 20 leguas de comprimento, e 12 a 14 de largura, limitado pelos bosques que os circundam, e os separam dos Campos geraes de Coritiba, do rio Pequiry, do rio Cavernoso, e do Rio Pinhão, tendo ao sul o rio Iguassứ, que é bordado por uma estreita orla de mato nos fundos dos ditos campos.”[9]

Essa descrição do território feita pelo Padre Chagas identifica-se com uma parte do território pertencente aos espanhóis, local onde se instalaram as reduções jesuíticas do «Guayrá». As reduções foram destruídas pelos bandeirantes paulistas no século XVII. Com isso, os indígenas que sobraram do massacre, ou que não foram escravizados, “se refugiaram para o sul, às margens do Rio Uruguai, inclusive no território do atual estado do Rio Grande do Sul”.[10]

A região a leste do Tibagi, demarcada ao norte pelo Paranapanema, ao sul pelo Iguaçu e a oeste pelo rio Paraná, foi o local onde se desenvolveram as varias reduções jesuíticas espanholas dos séculos XVI e da primeira metade do século XVII. Em seu apogeu, de 1620-1640, o Guayrá chegou a contar com 17 reduções, abrigando mais de 200 mil índios Guarani.

Destacaram-se duas cidades: Ciudad Real del Guayrá nas margens do rio Paraná na confluência do Piquiri, e Villa Rica del Espírito Sancto, na junção dos rios Ivaí e Corumbataí, esta ultima mais ou menos a 100 km ao sul de onde é hoje Maringá. A partir do século XVII, a região foi palco de intensas lutas entre os Guarani e os bandeirantes paulistas, que invadiram sistematicamente na busca de índios para a preação. Dizimaram, dessa forma, a Nação Guarani.

Foi uma ação fulminante. Destruíram o projeto evangelizador dos Jesuítas, os quais foram obrigados a fugir para a região do Rio grande do Sul/Uruguai, para formar os Sete Povos das Missões. Não restou praticamente nada das reduções jesuíticas no Guayrá, a não ser ruínas, que, em pouco tempo, foram recobertas pelas matas.

Desapareceram, então, os últimos vestígios das grandes cidades guarani, assim como quase desapareceram do antigo território guairenho os duzentos mil Guarani. Uma pequena parte retirou-se para o sul (como afirmamos acima) formando com outras tribos os povos das Missões, que tiveram de continuar rechaçando os ataques dos bandeirantes pelos séculos XVII e XVIII adentro.[11]

Outra grande parte é levada prisioneira para São Paulo e se dispersa no Cativeiro. Uma outra atravessa o Paraná a poente e emigra para as terras paraguaias e mato-grossenses, buscando se distanciar dos ataques dos caçadores de índio. Muito mais tarde, eles voltam a migrar em direção ao mar.

E, por fim, as tribos bravias que não estavam integradas ao sistema montado pelos jesuítas continuam a viver embrenhadas nas matas guairenhas procurando sobreviver, resistindo às novas investidas dos preadores de São Paulo. Encerrado o capitulo trágico da historia dos Guarani no que fora o território do Guayrá, tem inicio uma outra fase da historia indígena na região.

A partir da 1ª metade do século XVIII, outras tribos começam a ocupar a região. São os grupos Jê abrindo um outro capitulo, nas palavras de Lucio Tadeu Mota, “da saga presença/resistência indígena no Paraná”.[12]Uma pequena porção desse novo grupo será dos «Kaingang», na região de Guarapuava.

Guarapuava localiza-se na Região Sul do Brasil, centro-oeste do Paraná, terceiro planalto chamado Planalto de Guarapuava, que se assenta sobre as lavas vulcânicas da Serra Geral. É o maior derrame de lavas vulcânicas do globo e vai de Goiás ao Rio Grande do Sul. Em termos técnicos os Campos (atual Cidade de Guarapuava) “estão localizados a 1.120 metros acima do nível do mar. As coordenadas geográficas são: Latitude Sul: 25° 23’ 26”; Longitude Oriental: 51° 27’ 15” Oeste –W. Greenwich”.[13]


NOTAS

  1. A. MARTINS FRANCO, Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava, 37.
  2. T. TAKATUZI, Águas Batismais e Santos Óleos, 14.
  3. Ibidem, 12.
  4. Ibidem, 13-14.
  5. Ibidem, 20.
  6. Ibidem, 21-22.
  7. Quanto ao Padre Francisco das Chagas Lima, procurar-se-á identificá-lo assim como delinear brevemente suas funções na Real Expedição de 1809.
  8. Existe ainda outra definição sobre a origem do nome de Guarapuava, G. GRUBER DE ABREU, Guarapuava: Historia de luta e trabalho, 20: « Pela abundancia dessa caça, os índios chamavam esta região de Guará (lobo), Puava (bravo). [...] o nome de Guarapuava é de origem tupi. Supõe-se tenha sido dado pelos índios guaranis, que falavam o tupi-guarani e habitavam as regiões mais próximas do rio Paraná. Esses índios vinham caçar o lobo guará na serra do Capivaruçu, hoje serra da Esperança».
  9. F. CHAGAS LIMA, «Memória sobre o descobrimento e colônia de Guarapuava» in MUNUMENTA, 56.
  10. R. WACHOWICZ, Historia do Paraná, Coleção Brasil Diferente, Curitiba 2002, 41.
  11. Para melhor compreensão da região assim como de sua população, cf. J. CONRADO AGUILAR, Conquista Espiritual. A História da Evangelização na Província Guairá na obra de Antônio Ruiz de Montoya, S.I. (1585-1652), Analecta Gregoriana, Editrice Pontifícia Università Gregoriana, Roma 2002, 129-139.
  12. Cf. L. TADEU MOTA, As Guerras dos Índios Kaingang. A Historia épica dos índios Kaingang no Paraná, UEM, Maringá 1994, 67-70.
  13. G. GRUBER MARCONDES, Guarapuava: Historia de Luta e Trabalho, UNICENTRO, Guarapuava 1998, 14.

BIBLIOGRAFÍA

CONRADO AGUILAR J., Conquista Espiritual. A História da Evangelização na Província Guairá na obra de Antônio Ruiz de Montoya, S.I. (1585-1652), Analecta Gregoriana, Editrice Pontifícia Università Gregoriana, Roma 2002

GRUBER DE ABREU G, Guarapuava: Historia de luta e trabalho. Ed. UNICENTRO, 1998

MARTINS FRANCO A., Diogo Pinto e a Conquista de Guarapuava, Ed. Muséu Paranaense, Curitiba, 1943

TADEU MOTA L., As Guerras dos Índios Kaingang. A Historia épica dos índios Kaingang no Paraná, UEM, Maringá 1994

TAKATUZI T., Águas Batismais e Santos Óleos; uma trajetória histórica do Aldeamento de. Atalaia. UNICAMP, 2005

WACHOWICZ R., Historia do Paraná, Coleção Brasil Diferente, Curitiba 2002


ANTONIO AILSON AURELIO

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