NORDESTE BRASILEIRO; Aspectos históricos (1806-1883)

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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Em 1808, no Brasil, foi o ano em que as cortes portuguesas transferiram-se para o Rio de Janeiro, e em 1810 seus portos abertos às nações amigas e somente em 1815 o país foi reconhecido como reino unido de Portugal.[1]Dom João VI retornou à Portugal com a restauração do Congresso de Viena, deixando seu filho, D. Pedro I, como príncipe regente. No dia 7 de setembro de 1822 ele declarou a separação definitiva, instaurando o Império Brasileiro.[2]

Este processo de independência foi marcado por um pensamento naturista, de cunho liberal, que manifestou-se nos diversos movimentos entre 1789 – a Inconfidência Mineira - e 1848 – a Revolução praieira nas cidades de Olinda e Recife, em Pernambuco. Alguns dos seus participantes, não encontrando suas reivindicações satisfeitas ou defronte a uma sociedade à qual não são capazes de inserir-se, entre eles os primeiros movimentos messiânicos do Brasil independente. Contudo, a permanência da família real portuguesa consolidou um outro modelo de governo: estatal e dirigido pelas elites portuguesas.

No século XIX nem os municípios e nem as paróquias não eram livres no Brasil, pois eram descendentes diretos do sistema sesmarial pelo qual o colonizador português tinha conseguido ocupar as terras do litoral e do sertão. Municípios e paróquias estavam entregues às linhagens tradicionais, às famílias patriarcais.[3]Liberdade é que não havia nessas condições.

A primeira constituição brasileira, outorgada em 25 de março de 1824, estabeleceu um governo monárquico, hereditário e constitucional representativo. Manteve grande parte da estrutura jurídica portuguesa, entre elas o beneplácito e o « padroado» que garantia o controle da Igreja pelo império.[4]

O governo de D. Pedro I durou pouco porque cedeu às pressões portuguesas e brasileiras, abdicou em favor de seu filho de 7 anos em 1831, iniciando assim o período Regencial. Foi um período muito conturbado, marcado por inúmeras revoltas, e pela tensão entre o centralismo político e o regionalismo. Muitas províncias cogitaram separar-se da união, enfraquecida pela ausência de um poder de amplo consenso entre as diferentes regiões do país.

Neste difícil contexto, em 1840, os liberais deram o Golpe da Maioridade, adiantando a maioridade legal do imperador de 18 para 14 anos. Iniciou-se o segundo reinado, no qual D. Pedro II adotou uma postura conciliadora, e depois de algum tempo obteve a estabilidade desejada.[5]

Houve uma relativa calma sócio-política até 1870, quando começou uma fase atribulada. Difundiam-se com mais força as ideias republicanas e abolicionistas e, um pouco mais tarde, a Questão Religiosa (1874) fomentaria a simpatia dos católicos por um novo regime.

Neste período cada pessoa trabalhadora pertencia ao doutor fulano ou doutor cicrano, e não tinha o sentimento de pertencer a uma comunidade humana. O trabalho chamava-se serviço e o mais que se esperava dele era produção e assistência por parte do doutor. As relações fundamentais entre as pessoas eram relações de fidelidade e submissão por parte do empregado, proteção e assistência por parte do patrão.[6]

O homem pobre se entregava totalmente ao serviço do seu dono, não tendo independência alguma diante dele, pois tudo o que usava era propriedade privada da fazenda ou do engenho, isto é, da família cuja excedia a importância de uma vida humana, pois os indivíduos que administravam a fazenda eram apenas representantes da linhagem que atravessava os séculos: os homens morrem, as famílias ficam.

Mesmo os sacerdotes nas paróquias entravam numa espécie de linhagem espiritual: eles eram também patriarcais. Para eles vigorava o lema: “os vigários morrem, a paróquia fica.”[7]

Naquela época o Nordeste era um conglomerado de sítios, fazendas e engenhos, onde de antemão se sabia que os governantes nas grandes cidades do litoral compactuavam com as famílias mais influentes da localidade.

Foi neste contexto que apareceu o padre Ibiapina. A sua presença transformou o sertão Nordestino, não por fora, mas pó dentro. As populações nordestinas, com o Pe. Ibiapina, adquiriram a convicção do seu próprio valor e do valor das obras de suas mãos.

A atenção do padre Ibiapina não se voltou para estruturas como municípios ou paróquias, mas para os núcleos habitacionais em si, de tal sorte que o interesse dele não era em primeiro lugar consolidar a paróquia pelo sistema sacramental nem a ortodoxia pela doutrina, nem mesmo a moral pela confissão, mas antes de tudo, a formação de comunidades nas quais o homem pudesse sobreviver com dignidade.[8]

Desde sua época de Juiz, atribuía os males sociais à falta de educação e por isso, alfabetizou milhões de sertanejos, pelo efeito multiplicador de seus alunos, e dos beatos e beatas que lhe seguiam.[9]

Existe realmente uma diferença considerável que se projeta no plano pastoral entre município e cidade, entre paróquia e comunidade, e que será posto à prova no caso universalmente conhecido do padre Cícero do Juazeiro do Norte, também lhe causou muita incompreensão por parte das autoridades eclesiásticas.

Mesmo no plano civil houve suspeitas: por ocasião do levante popular dos Quebra-quilos em Campina Grande, no ano de 1874, levante típico das feiras livres diante do capitalismo, o nome do padre Ibiapina foi ventilado como tendo sido ele o autor intelectual dessa insurreição.

Esse fato prova que os contemporâneos bem perceberam de que lado Ibiapina se encontrava no tocante aos problemas sociais de sua época. Essa perspicácia não deve causar admiração: a vida pública, anterior à sua atuação como missionário, lhe ensinava com certeza como os organismos oficiais constituíam uma super-estrutura flutuante sobre um conglomerado de povoações, aldeias e pequenos núcleos populacionais sem participação pública nenhuma.

Tudo partia de cima para baixo. Ė por isso que Ibiapina, após ter negado as honras civis, na mesma dinâmica se negou também a aceitar honras eclesiásticas, preferindo lutar no interior contra a desagregação da vida pública por falta de participação efetiva das bases na construção da sociedade.


NOTAS

  1. K. GRINBERGE R. SALLES, O Brasil Imperial, Vol. I, 1808-1831, Rio de Janeiro 2009, 31.
  2. J.I. SARANYANA, Teología en América Latina, Vol. II/2: De las guerras de independencia hasta finales del siglo XIX ( 1810-1899 ), Vervuert 2008, 1008.
  3. E. HOORNAERT, Crônicas das Casas de Caridade fundadas pelo Pe. Ibiapina, Fortaleza 2006, 40.
  4. J.I. SARANYANA, Teología en América Latina, Vol II/2: De las guerras de independencia hasta finales del siglo XIX ( 1810-1899 ), 1009.
  5. Ibidem, 1010.
  6. E. HOORNAERT, Crônicas das Casas de Caridade fundadas pelo Pe. Ibiapina, 41.
  7. Ibidem, 42.
  8. Ibidem, 43.
  9. J.I. SARANYANA, Teología en América Latina, Vol II/2: De las guerras de independencia hasta finales del siglo XIX ( 1810-1899 ), 1041.

BIBLIOGRAFÍA

GRINBERGE K. - R. SALLES., O Brasil Imperial, Vol. I, 1808-1831, Rio de Janeiro 2009

HOORNAERT, E. Crônicas das Casas de Caridade fundadas pelo Pe. Ibiapina, Fortaleza 2006

SARANYANA, J.I. Teología en América Latina, Vol. II/2: De las guerras de independencia hasta finales del siglo XIX ( 1810-1899 ), Vervuert 2008


ADALTO VIEIRA DOS SANTOS FILHO