Diferencia entre revisiones de «REGALISMO BRASILEIRO»

De Dicionário de História Cultural de la Iglesía en América Latina
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Revisión del 05:52 16 nov 2018

O regalismo, conceito não unívoco, deriva do adjetivo latino regalis (real), tendo sido utilizado para qualificar o modelo político e jurídico de medievais raízes, consolidado na idade moderna. Tratava-se de um sistema complexo por meio do qual, em nome de supostos “direitos” (iura regalia) os soberanos absolutistas católicos europeus afirmavam os próprios iura maiestatica circa sacra, que por vezes se transformavam em verdadeiros iura in sacris.[1]Em Portugal, o regalismo atingiu seu ápice ao tempo do Marquês de Pombal (1699-1782), mas não faltaram intelectuais que o legitimassem. Incluiu-se nesta categoria o padre oratoriano Antônio Pereira de Figueiredo (1725-1797), autor de obras como a Doctrina veteris Ecclesiae de suprema regum etiam in clericos potestate, publicada em Lisboa no de 1766, onde, retomando as idéias de Justino Febrônio, defendia as prerrogativas majestáticas ante o Papa, bem como o episcopalismo e o conciliarismo.[2]

A política regalista da metrópole, obviamente, foi implantada nos seus domínios ultramarinos e, mesmo depois que o Marquês de Pombal caiu em desgraça política, as suas linhas básicas foram mantidas. A independência do Brasil, proclamada em São Paulo aos 7 de setembro de 1822 pelo Príncipe Regente Pedro de Bragança (1798-1834), lhe deu continuidade, como demonstra o fato que, depois de coroado, no dia 20 de outubro de 1823 ele tenha mandado guardar e observar toda a legislação precedente, para assim subsistir em sua integridade a herança do passado regime, até que a soberania nacional pelos seus órgãos competentes viesse a traçar as normas que a regeriam.[3]

Com o regalismo de Dom Pedro I faziam coro numerosos políticos, formados nos princípios galicanistas e anticlericais da França e de Coimbra, que olhavam a Santa Sé com desconfiança e hostilidade.[4]O primeiro Imperador abdicou em favor do seu filho, então um menino de seis anos de idade, aos 7 de abril de 1831, mas, as medidas cerceadoras que tomou em campo religioso, permanecerem. Dentre elas, uma das mais importantes foi a Constituição outorgada em 1824, que ficou em vigor por sessenta e cinco anos. A referida Carta Magna era composta de 179 artigos, marcados por um estranho hibridismo de autoritarismo bragantino com liberalismo burguês.

Isso também foi aplicado em relação à Igreja, uma vez que o artigo 5 afirmava que a religião Católica Apostólica Romana “continuaria” a ser a confissão oficial do Império, mas, o artigo 92 excluía do direito de voto “os religiosos e quaisquer que vivam em comunidade claustral”. Seguia-se o artigo 102 §2 e §14 que, sem nenhuma consulta prévia à Santa Sé, estabeleceu que era uma das principais atribuições do Imperador “nomear bispos e prover os benefícios eclesiásticos” e “conceder ou negar beneplácito aos decretos de concílios e letras apostólicas, e quaisquer outras constituições eclesiásticas”.[5]

O primeiro dispositivo que causou controvérsia foi o artigo 5º, afirmando que o Catolicismo “continuaria” a ser a confissão religiosa do Império. Isso significou que o Estado estava impondo uma tutela sobre a Igreja, em nome da legitimação de um fato e de um “direito” preexistentes. Os efeitos de tal mentalidade se fizeram sentir quando se tratou de definir o padroado no Brasil. Aos 7 de agosto de 1824 foi organizada uma missão diplomática para ir a Roma sob o comando de monsenhor Francisco Correia Vidigal, que lá chegou aos 5 de janeiro de 1825. Depois que Portugal reconheceu a independência do Brasil no dia 29 de agosto daquele ano, as negociações avançaram e, sem estabelecer um acordo concordatário, Leão XII, através da bula Praeclara Portugalliae, datada de 15 de maio de 1827, criou para o Brasil as ordens de Cristo, Santiago e Avis, conferindo ao Soberano do novo reino o padroado e benefícios do Império.[6]

Assim que a cópia da referida bula chegou, ela foi examinada por duas comissões reunidas, a de Constituição e a de Negócios Eclesiásticos, que rejeitaram-na de forma acintosa. Segundo os analisadores, o Papa não possuía poderes para conceder o padroado, porque tal regime era um “direito” imperial próprio! Esse direito natural era “essencialmente inerente à soberania conferida pela unânime aclamação dos povos do Império e lei fundamental”. Sendo assim, a bula era “ociosa”, porque tinha “por fim confirmar o direito de apresentação de bispos e benefícios, que aliás o Imperador tem por títulos mais nobres”.[7]

O Governo acatou dito parecer, e, por meio da Decisão n.º 103, emanada no Paço Imperial aos 3 de novembro de 1827, rejeitou a bula papal porque “continha disposição geral manifestamente ofensiva à Constituição e aos direitos do Imperador, por cujo motivo não podia ser aprovada pelo legislativo”. [8]O direito do padroado, contudo, permaneceu em vigor, não pelo caráter oficialmente cristão do Brasil, mas por força da Constituição imperial, então considerada como única norma legítima de agir, digna de ser observada inviolável. A Santa Sé preferiu evitar o confronto, mas jamais deu seu aval às pretensões do Trono. Tempos depois, Cândido Mendes diria que o sistema vigente no Brasil era tão somente um “ padroado imposto a força”.[9]

Entrementes, as medidas anti-eclesiásticas prosseguiam, e, ainda em 1828, duas importantes mudanças seriam introduzidas: a extinção do Tribunal de Bula de Cruzada, com a entrega de seus papéis ao Tesouro e de suas causas ao juízo dos Feitos da Fazenda, e o fechamento dos Tribunais das Mesas do Desembargo do Paço e da Consciência e Ordens. A segunda medida marcou o início da secularização das causas canônicas. Com isso, a justiça comum assumiu as atribuições daqueles tribunais, entre as quais se incluíam cartas de legitimação de filhos ilegítimos, confirmação de adoções, sub-rogação de bens, e anulações de eleições de irmandades.[10]

Esta política, que relegava a Igreja a um departamento da instituição leiga, e buscava limitar cada vez mais a autoridade do Sumo Pontífice,[11]legitimou tranqüilamente a transformação das paróquias em células administrativas do sistema eleitoral vigente. Ao mesmo tempo, no parlamento, discursos dos mais heterodoxos se encontravam na ordem do dia e os padres deputados, que não eram poucos, a eles assistiam e deles participavam sem que episcopado nada pudesse fazer. O motivo foi que, em 1830 o Governo declarou que os “empregados eclesiásticos”, para assistirem às sessões de assembléia, de que fizessem parte, ficavam isentos de exercer os cargos da Igreja.[12]

Mais delicada que a situação do clero secular era a do regular, subtraído como estava, desde 1760, à autoridade dos seus superiores gerais em Roma e tutelado pelo Estado.[13]Não só não se fez nenhuma alteração após a independência, como até mesmo o contato com confrades de Portugal seria proibido. E, as medidas restritivas ainda estavam longe de terminar: pela lei de 9 de dezembro de 1830 ficou estabelecido que seriam declarados nulos e sem efeito os contratos onerosos e as alienações de bens móveis e imóveis feitas pelas ordens religiosas, sem licença do Governo, o que deu início a um longo período de expropriações. Apenas um ano depois, o ministro da justiça ordenou ao superior dos carmelitas na Paraíba, que reivindicasse legalmente os bens da ordem vendidos por seu antecessor, frei Eduardo Homem, por serem eles de natureza reversível à Nação, possuindo os frades sobre ditos bens apenas direito utendi fruendi.[14]Também aos 9 de outubro de 1830 foram extintos por decreto, no Pernambuco e na Bahia, os oratórios de São Felipe Néri.[15]

O golpe final no processo de nacionalização dos religiosos aconteceu ao ser sancionado o Código Criminal do Império do Brasil. O título segundo (“Das penas”) incluiu nas disposições gerais, dois artigos explícitos: “Artigo 79 – Reconhecer, o que for cidadão brasileiro, superior fora do Império, prestando-lhe efetiva obediência. Penas – da prisão por quatro a seis meses. Artigo 80 – Se este crime for cometido por corporação, será esta dissolvida; e se seus membros tornarem a se reunir debaixo da mesma, ou diversa denominação, com a mesma ou diversas regras. Penas – as chefes de prisão de dois a oito anos, aos outros membros, de prisão de oito meses a três anos”.[16]

No período da Regência (1831-1840) e durante o Segundo Império (1840-1889) o regalismo institucional prosseguiu rígido. As poucas dioceses existentes padeciam longos períodos de vacância e o governo submetia rigorosamente os documentos papais ao seu placet. Por tudo isso, Pe. Júlio Maria viria a afirmar que o Catolicismo no Brasil se encontrou preso num “cárcere de ouro”.

Bons exemplos tinha ele para demonstrar o que dizia: “A legislação do Império, no prazo de 1827 a 1889, é uma emaranhada rede de alvarás, consultas, resoluções, avisos e regulamentos, em cujas malhas o Império trazia presa e manietada a Igreja: – os ministros ordenavam aos bispos o cumprimento dos cânones do Concílio de Trento no provimento das paróquias; proibiam-lhes a saída das dioceses sem licença do Governo, sob pena de ser declarada a Sé vacante e proceder o Governo à nomeação do sucessor; sujeitavam à aprovação do Governo os compêndios de teologia que se devia estudar nos seminários; revogavam as disposições dos estatutos de certos cabidos; declaravam que, dado o caso de Sé vacante, a jurisdição episcopal passasse toda ao vigário capitular; concediam, por graça imperial, ao cabido metropolitano o direito de nomear um, depois de expirado o prazo do Concílio; isentavam os capelães militares da visita dos prelados, dando-lhes o direito de usar solidéu e anel; proibiam que as ordens religiosas recebessem noviços; autorizavam os superiores regulares a licenciarem os religiosos para residirem por seis meses fora dos seus conventos; aprovavam as resoluções capitulares dos frades franciscanos; concediam o uso de cinto e borla encarnados aos cônegos do Pará, ficando mudada a cor de que usavam; declaravam que os párocos não tinham o direito de exigir as velas das banquetas; e fixavam o competente para a nomeação do porteiro na missa das catedrais. [...] Em consciência, ninguém dirá ter sido ele [o Império brasileiro] menos hostil à Igreja do que foi na Áustria o josefismo”.[17]

O Governo Imperial, contudo, se apresentava como “protetor” da Igreja, o que, dito de forma mais prosaica, implicava em conferir à pessoa mesma do Imperador a chefia virtual da instituição eclesiástica no país, coisa que aconteceu até 1861 através do ministério da justiça, e daí para frente por meio do ministério do Império.[18]

Os efeitos da política oficial foram devastadores: o clero no Brasil era escasso, e, salvo excessões, pobre e de baixo nível moral e intelectual, coisa que só começou a mudar após o início da reforma eclesial realizada pelos bispos “ultramontanos”. Além disso, durante todo o período imperial – 67 anos! – o número de dioceses permaneceu insuficiente, pois se erigiram apenas três novas jurisdições diocesanas: Porto Alegre (1848), Fortaleza (1854) e Diamantina (1854).[19]Assim, quando a monarquia caiu em 1889, em todo o Brasil havia somente 12 dioceses e cerca de 700 padres. Pior ainda se encontravam as velhas ordens religiosas dos Beneditinos, Franciscanos Alcantarinos, Carmelitas e Mercedários.

Proibidas de receber noviços desde 19 de maio de 1855, elas agonizavam. Os bispos, da sua parte, jamais puderam se reunir num sínodo provincial para buscarem soluções comuns. Como diria depois Monsenhor Francesco Spolverini, “um bispo ia para sua diocese e, depois de tomar posse, só dela se ocupava, isolado, sem comunicação com seus colegas, muitos dos quais não conhecia. Adotava nos assuntos gerais da Igreja soluções e maneira de agir geralmente diversa dos demais, senão contrária àquela dos outros, sem nenhuma relação, sequer epistolar, com eles. O Arcebispo Metropolitano, sem ação diretiva na sua província eclesiástica, tinha apenas um título di preeminência honorífica: assim, não unidade de ação, não concórdia, não ajuda de luzes e defesa recíproca. Isto era o que queria o padroado!.[20]

Queria sim: o enfraquecimento da instituição eclesiástica no Brasil, por meio da legislação vigente, era defendida por anticlericais conhecidos como Rui Barbosa, que não hesitou de afirmar em público: “Senhores, o regalismo é uma cautela constitucional. Ora, será legítimo abrir mão dela precisamente em benefício do ultramontanismo?”.[21]Tampouco Dom Pedro II recuava no seu jurisdicionalismo régio e, em 1880, no primeiro colóquio que teve com Monsenhor Ângelo di Pietro, Internúncio recém-chegado ao Brasil, declarou abertamente que sustentaria sempre o placet e o exequatur.[22]

Nada a admirar, portanto, que Dom Antônio de Macedo Costa, aos 22 de novembro de 1889, sete dias após a proclamação da República, em que pese a iminência da secularização do Estado no Brasil, numa comunicação a Rui Barbosa (que começava a se reaproximar do Catolicismo), tenha dito: “A Igreja do Brasil ganhou imenso, ganhou imenso, ganhou a liberdade que não tinha”.[23]

NOTAS

  1. IVANA PEDERZANI, Un ministero per il culto: Giovanni Bovara e la riforma della Chiesa in età napoleonica, Franco Angeli, Milano 2002, p. 44.
  2. ANA CRISTINA ARAÚJO, O Marquês de Pombal e a Universidade, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra 2000, p. 17.
  3. MANOEL TAVARES CAVALCANTI, “Relações entre o Estado e a Igreja”, em: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, (tomo especial – 1922), vol. VI, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro 1928, pp. 303 – 304.
  4. ZENO HASTENTEUFEL, Dom Feliciano na Igreja do Rio Grande do Sul, Editora Acadêmica, Porto Alegre 1987, p. 87.
  5. Constituição política do Império do Brasil (1824), seguida do Ato Adicional (1834), Eduardo Henrique e Laemmert Editores, Rio de Janeiro 1863, pp. 5 – 9, 62, 79, 91, 94, 145.
  6. LEO XII, Bulla “Praeclara Portugalliae, Algarbiorumque Regum”, em: Bullarium Romanum, tomo 17, Rainaldi Segreti, Romae, 1855, p. 59.
  7. JOÃO DORNAS FILHO, O Padroado e a Igreja brasileira, Companhia Editora Nacional, São Paulo 1938, pp. 46 – 48.
  8. Coleção das decisões do Governo do Império do Brasil de 1827, Tipografia Nacional, Rio de Janeiro 1878, p. 196.
  9. MANUEL BARBOSA, A Igreja no Brasil, Editora e Obras Gráficas A Noite, Rio de Janeiro 1949, p. 25; CÂNDIDO MENDES DE ALMEIDA, Direito civil e eclesiástico brasileiro antigo e moderno em suas relações com o direito canônico, tomo 3, Garnier, Rio de Janeiro 1873, p. 278.
  10. GÉRSON BRASIL, O Regalismo brasileiro, Livraria Editora Cátedra, Rio de Janeiro 1978, p. 55.
  11. THALES AZEVEDO, Igreja e Estado em tensão e crise, Editora Ática, São Paulo 1978, pp. 124, 127, 132.
  12. JÚLIO CÉSAR DE MORAIS CARNEIRO, O Catolicismo no Brasil (Memória histórica), Livraria Agir Editora, Rio de Janeiro 1950, p. 144.
  13. ISMAEL MARTINEZ CARRETERO, Exclaustración y restauración del Carmen en España (1771 – 1910), Edizioni Carmelitane, Roma 1996, pp. 512 – 513.
  14. GÉRSON BRASIL, O Regalismo brasileiro, pp. 55 – 56.
  15. ZENO HASTENTEUFEL, Dom Feliciano na Igreja do Rio Grande do Sul, p. 87.
  16. Código Criminal do Império do Brasil, Tipografia Imperial e Constitucional de Émile Seignot-Plancher, Rio de Janeiro 1831, p. 10.
  17. JÚLIO CÉSAR DE MORAIS CARNEIRO, O Catolicismo no Brasil (Memória histórica), pp. 139, 145 – 147.
  18. GÉRSON BRASIL, O Regalismo brasileiro, p. 11.
  19. MANUEL BARBOSA, A Igreja no Brasil, pp. 25 – 26.
  20. AAEESS., “Conferências dos bispos brasileiros”, em: Brasil, fasc. 29, pos. 308, fl. 24b – 25.
  21. RUI BARBOSA, “Discursos Parlamentares – Câmara dos Deputados”, em: Obras Completas de Rui Barbosa, vol. VII, tomo I, Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro 1947, pp. 164, 168.
  22. AAEESS., Audiência do Internúncio com o Imperador para a entrega das credenciais (24-1-1880), em: Brasil, fasc. 9, pos. 192, fl. 8.
  23. AMÉRICO JACOBINA LACOMBE ET ALII, Brasil, 1900 – 1910, Gráfica Olímpica Editora, Rio de Janeiro 1980p. 49


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