JESUITAS NO BRASIL
Em 1549 o rei de Portugal D. João III, resolveu dar unidade ao governo da conquista do Brasil, e revogando os poderes extraordinários que tinha dado aos que governavam por distritos e capitanias hereditárias independentes, instituiu um governador geral de todas elas, nomeando à Tomé de Souza, fidalgo já bem experimentado nas guerras da África e da Índia. Este governador geral tinha como obrigação construir na Baía de todos os Santos a cidade que foi a sede do governo central de toda esta vasta área de terras.
Para a evangelização destas terras também era importante ter uma unidade religiosa, e para tanto o Rei Dom João III pediu a Simão Rodrigues, companheiro de Santo Inácio e fundador da Companhia de Jesus em Portugal, de enviar um grupo de missionários que pudessem juntos com o Governador Geral do Brasil, Tomé de Souza, evangelizar e converter os povos indígenas que habitavam essas terras.
Partiu assim do Tejo em primeiro de fevereiro de 1549 o novo Governador Geral com seis missionários da Companhia de Jesus escolhidos por Simão Rodrigues do Colégio de Coimbra que eram: Padre Manuel de Nóbrega, João de Aspilcueta, António Pires, Leonardo Nunes, Vicente Rodrigues e Diogo Jácome. No ano seguinte foram mais quatro missionários: Afonso Brás, Francisco Pires, Manuel de Paiva e Salvador Rodrigues.
Em oito de maio de 1553, partiram junto com o segundo Governador Geral D. Duarte da Costa, sete missionários que entre eles se distinguiram Luís da Grã, quarto reitor do Colégio de Coimbra, e José de Anchieta, que se tornou o grande apostolo deste novo mundo. Estes são os primeiros de uma grande serie de missionários que irão marcar a evangelização dos povos indígenas e deste território ultramarino português.
Com estes vastos territórios para evangelizar em Portugal, já no final do século XVI, começaram a debater como uma questão vital para a propagação da fé, se os missionários portugueses bastariam para a evangelização de tão vastos territórios. E se estes missionários estrangeiros aderissem as missões, deveriam todos se embarcar em Lisboa na barra do Tejo, onde se partia para as missões seja do oriente como do ocidente, ou poderiam partir diretamente de suas própria terra. Estas e outras questões é que vão nortear o Padroado Português em toda essa história.
Porém deste o início da evangelização das terras brasileiras a Companhia de Jesus teve missionários estrangeiros, apesar das dificuldades que isto sempre comportou, mas também da grandeza e riqueza que muitas vezes estes missionários foram para as missões. Mas certamente as maiores dificuldades vieram por parte da Corte de Portugal, que muitas vezes proibiam que navegassem para as conquistas estrangeiros, e até chegou a ordenar que fossem reenviados para a Europa aqueles que não tivessem licença real.[1]
Desta experiência dos primeiros jesuítas nasceu toda a base do trabalho de evangelização. Em primeiro lugar a questão dos aldeamentos dos índios, como necessidade vital para a evangelização, pois a experiência tinha mostrado que sem a fixação deste em um lugar era impossível um trabalho de catequese, pois tantas vezes depois de animar uma aldeia, os padres ao retornar não encontravam mais nenhum sinal daqueles índios.
Era necessário organizar as aldeias, com um regime próprio de defesa e autoridade. A experiência mostrava que além de proteger o índio cristão do gentio, também era importante defender dos maus colonos. Enfim todo o trabalho de catequese que tinha como centro demonstrar que o cristianismo era a única verdadeira religião, caía em descrédito diante da atitude dos colonos em relação as índios, o efeito desmoralizador deste contraste era evidente. Os missionários identificaram logo que os piores índios eram aqueles que tinham relacionamentos com os brancos.
Mas a constituição destes aldeamentos sofreu muita oposição por parte dos colonos e não teve o apoio necessário dos governadores. Somente no governo geral de Mem de Sá, iriam constituir as primeiras aldeias na Baía apropriadas para a catequese, na qual os índios experimentavam que a nova vida do evangelho, era superior aquela que haviam deixado.
Os aldeamentos surgiram assim com uma legislação especial, que regularizava a separação dos índios dos colonos, o comércio entre estes, o regime de trabalho dos índios. Nascia assim a modalidade mais eficaz e original da colonização cristã do Brasil.
Outro aspecto que os jesuítas souberam enfrentar, foi a questão das línguas, pois entenderam logo que para atrair e catequizar os índios, era indispensável saber a línguas destes. Os dois campos de atuação do jesuítas no uso da língua no início da evangelização foi as capitanias de São Vicente e a Baía.
Assim as iniciativas dos jesuítas com a língua indígena foram muitas, e se tornaram muitas vezes a base para o seu estudo e compreensão. Logo no inicio o Padre Navarro traduziu no língua tupi «a criação do mundo, e a encarnação e os demais artigos de fé, e mandamentos da lei, e ainda outras orações, especialmente o Padre-Nosso, as quais orações de contínuo lhes ensino, em sua língua e na nossa».[2]
Navarro ainda traduziu com ajuda de um homem da terra que sabia escrever em língua indígena passagem do novo e velho testamento, artigos da fé e obras de misericórdia; alguns sermões sobre o juízo, inferno e glória, uma confissão geral, principio e fim do mundo.[3]
Estes sermões e orações eram aprendidas de memória pelos padres que era ensinavam aos meninos índios. Em 1556 com a chegada do irmão António Rodrigues, a catequese com a língua indígena teve um grande impulso.[4]
Depois veio a Arte de Anchieta;[5]e ao mesmo tempo, as orações, traduzidas pelos irmãos de línguas de São Vicente, que foram oficialmente adotadas na missão. Os jesuítas procuravam com todos os meus aprender as línguas indígenas, alguns tinham muita dificuldade em aprender como o Padre Jorge Rodrigues,[6]que levou dois anos de muito trabalho para aprende-la nas aldeias da Baía; as dificuldades eram maiores para aqueles que já vinham com maior idade de Portugal; outras se familiarizaram tanto com a língua que eram capazes como o irmão Capitão[7]de alguém falar com ele em português e ele respondia na língua indígena ou com o irmão Pero Correia que conhecia a fundo a língua e a psicologia dos índios.
Os Primeiros Jesuítas no Maranhão
Ainda antes de os franceses descobrirem e povoarem a Ilha do Maranhão, os padres da Companhia de Jesus do Brasil, vendo o total abandono da gentilidade e de sua salvação, por iniciativa do Provincial Padre Fernão Cardim, elegeram dois missionários do colégio de Pernambuco para começar esta nova missão nas terras do norte do Brasil. Eram os Padres Francisco Pinto e Luiz de Figueira, que ajudados pelo governador do Brasil partiram de Pernambuco no mês de Janeiro de 1607,[8]até o Padre Francisco Pinto,[9]encontrar a morte no dia 11 de Janeiro de 1608.[10]Esta foi a primeira tentativa de evangelizar as terras do futuro Estado do Maranhão.
Os primeiros missionários que chegaram à Ilha do Maranhão foram os Padres Manuel Gomes e Diogo Nunes, os quais entraram em São Luís no próprio dia da conquista, em novembro de 1615, como descreve o Padre Manuel Gomes, depois que Alexandre de Moura tomou posse da fortaleza:
Ordenou Alexandre de Moura que a primeira missa, que na igreja se dissesse fosse solene, o que fez com gosto de todos, rendendo graças a Deus pelos perigos de que nos livrou na viagem e pelas pazes feitas tanto a nosso gosto. Eu me aparelhei para pregar, oferecendo porém a pregação aos religiosos de S. Francisco e de Nossa Senhora do Carmo, a qual eles por então não aceitaram.[11]
Um outro texto que comprova a vinda destes dois Jesuítas é o traslado de Alexandre de Moura que o Padre Manuel Gomes enviou para o Padre Geral :
Alexandre de Moura, certifico que, mandando me sua Majestade à conquista do Maranhão lançar os Franceses, que o tinham ocupado e muitos povos de índios à sua obediência, pareceu ao Governador e muito povos de índios à sua obediência, pareceu ao Governador Geral do Brasil e a mim serem necessários Padres da Companhia que levassem índios de suas doutrinas.
Para melhor ter efeito esta pretensão, os pedimos ao Padre Provincial da mesma Companhia, propondo o muito serviço que a Deus e a Sua Majestade fariam nesta jornada, o que visto ser de muita importância, concedeu ao Padre Manuel Gomes, pregador, e ao Padre Diogo Nunes, insigne língua do Brasil, os quais ajuntaram trezentos índios de guerra.[12]
Segundo Serafim Leite,[13]os padres não tinham vindo, dessa vez, para ficar de modo definitivo e permaneceram por dois anos e meio no Maranhão; depois viajaram para participar na Congregação Provincial na Bahia, partindo assim em março de 1618. O grande responsável pela instalação da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão foi o Padre Luiz Figueira, que lá chegou em 22 de Março de 1622, juntamente com o Padre Benedito Amodei.
Estes foram enviados pelo novo Governador Geral do Brasil, Diogo de Mendonça, para acompanhar o novo Capitão-Mor António Moniz Barreiro, seguindo regimento no qual uma cláusula nomeava o Padre Luiz Figueira como conselheiro do Governo.[14]
Em 22 de agosto de 1626, chegaram mais dois jesuítas, o Padre Lopo do Couto e o Irmão Antonio da Costa, em companhia do novo Governador do Estado do Maranhão, Francisco Coelho de Carvalho. No momento da ocupação holandesa de 1641, estavam presentes no Maranhão os Padres Benedito Amodei, e o Padre Lopo de Couto, além de dois irmãos coadjutores. O Padre Luiz Figueira estava em Lisboa, cuidando dos interesses da missão.
Nos últimos tempos da guerra contra os holandeses, veio do Reino o Governador do Estado Pedro de Albuquerque, no ano de 1643, com duzentos soldados e dezesseis religiosos da Companhia de Jesus, sendo superior o Padre Luiz Figueira. Estes naufragaram e alguns, com o Governador, conseguiram, com a ajuda de canoas, chegar ao Grão-Pará.
Os missionários prepararam umas balsas para chegar até a ilha do Marajó, onde foram mortos pelos índios Aruans que ali viviam e estavam em guerra com os portugueses.[15]Segundo Bettendorff, no ano de 1646 vieram do Reino, provavelmente junto com o Governador Francisco de Carvalho, o padre jesuíta Manoel Muniz e um Irmão.
Em 20 de agosto de 1649 houve a morte dos Padres Francisco Pires, Manoel Muniz, do irmão velho e de um outro irmão, que os Tapuias Uruatis, sob as ordens do principal Botirou, executaram no Itapecurú. Depois destes martírios o Estado do Maranhão ficou sem os padres da Companhia de Jesus até o ano de 1652.
A Missão do Estado do Maranhão só se estruturou definitivamente com a chegada de novos missionários saindo de Portugal, em 23 de setembro, e chegando no Maranhão em 17 de novembro de 1652; de um outro grupo no qual veio Padre Antonio Vieira, saindo de Portugal a 22 de Novembro de 1652, chegando no Maranhão a 16 de janeiro de 1653; e de um terceiro grupo vindo da Província do Brasil, chegando no Maranhão em 29 abril de 1653. Todos estes padres ficaram sob o comando do Padre Antonio Vieira, que estruturou definitivamente a Companhia de Jesus no Estado do Maranhão.
NOTAS
- ↑ F. RODRIGUES, História da Companhia de Jesus, t. II, 131-136.
- ↑ CA, 50. Carta do Padre Navarro
- ↑ CA, 71. CA, 75. Bras. 3 (1), 101- Carta de Navarro, 19 de setembro de 1553
- ↑ CA, 154-155, 157
- ↑ P. RODRIGUES, « Anchieta » 199. Padre Pero Rodrigues dizia que Anchieta compôs a Arte em seis meses
- ↑ CA, 467
- ↑ CA, 356
- ↑ J. DE CARVALHO, Crônica da Companhia de Jesus no Maranhão, 55-60. Coloca a data de partida dos missionários para Pernambuco no ano de 1605. José de Moraes na História da Companhia de Jesus, fala que o Provincial Padre Simão Pinheiro, nomeoupara primeiros missionários da missão do Estado do Maranhão, Padre Francisco Pinto e Luís Figueira. ( J. DE MORAES, História da Companhia de Jesus, Livro I, Capitulo III ). Bettendorff diz que era o ano 1607 ( J.F. BETTENDORFF, Chronica da Missão, 39-43
- ↑ J.F. BETTENDORFF, Chronica da Missão, 39-43. Segundo Bettendorff quando o Padre José de Anchieta curou o Padre Francisco Pinto de uma doença mortal, tinha profetizado dizendo que outro gênero de morte o esperava.
Também Padre Jacinto de Carvalho, na sua Crônica da Companhia de Jesus no Maranhão lembra esta profecia de Padre José de Anchieta ( J. DE CARVALHO, Crônica da Companhia de Jesus no Maranhão, Livro I, Capitulo IV ).
A História da Companhia de Jesus, do Padre José de Moraes, trás o mesmo acontecimento J. DE MORAES, História da Companhia de Jesus, Livro I, Capitulo V - ↑ Tanto Bettendorff ( J.F. BETTENDORFF, Chronica da Missão, 39-43 ), como Jacinto de Carvalho ( J. DE CARVALHO, Crônica, 55-60 ), como Padre José de Moraes ( J. DE MORAES, História, Livro I, Capitulo IV ), dizem que o Padre Francisco Pinto teve morte violenta
- ↑ Carta do Padre Manuel Gomes, 2 de Julho de 1621, em STUAART, Documentos, I, 279
- ↑ Bras. 8, 301-302v; S. LEITE, Luiz Figueira, 41-43. S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo III, Livro II, Capítulo I, 101-102
- ↑ S. LEITE, História da Companhia de Jesus, Tomo III, Livro II, Capítulo I
- ↑ S. LEITE, Luiz Figueira,47-50; A. VIEIRA, Resposta aos Capítulos, 221
- ↑ J.F. BETTENDORFF, Chronica da Missão, 65-67. Segundo Bettendorff, dos dezesseis jesuítas que vieram com o Padre Luiz Figueira apenas três escaparam com vida.
BIBLIOGRAFÍA
BETTENDORFF, João Felippe. 1910. Chronica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão. Revista do Instituto Historico e Geographico Brazileiro, Tomo LXXII
DE CAMPOS Agostinho (org). BARROS, JOÃO, Azia, Primeira Década, Antologia Portuguesa. Ed. Livrarias Aillaud e Bertrand. Paris-Lisboa, 1920
D’AZEVEDO, João Lucio, Os Jesuítas no Grão-Pará: suas missões e a colonização Livraria Editora Tavares Cardoso & Irmão. Lisboa, 1901
LEITE, Serafim. Historia da Companhia de Jesus no Brasil, Tomo IV. Ed. Brasiliana, 1950
MARQUES C.A., Dicionário Histórico-Geográfico da Província do Maranhão. Cia. Editora Fon Fon e Seleta, 1970 - Maranhão (Brazil)
MORAES, Jose de. História da Companhia de Jesus na extinta província do Maranhão e Pará. Typ. Do Commercio, Rio de Janeiro
RODRIGUES F., História da Companhia de Jesus na assistência de Portugal, 7 vols. Oporto 1931-1950
SILVEIRA, S.E. Relação sumaria das cousas do Maranhão. Ed. Siciliano, 2001
CASSIO ALBERTO PEREIRA DE CARVALHO